Por Marcelo Pimenta e Silva
Hoje, durante a mostra de filmes regionais no III Festival de Cinema da Fronteira ocorre a exibição de diversas produções locais, uma delas capta as belas paisagens da região de Torrinhas e é promovido por dois jovens realizadores oriundos do curso de Comunicação Social da Universidade da Região da Campanha: Juliana Brum (jornalista) e Tamile Padilha (publicidade). O filme: Ventos de Antanho.
A ideia do filme nasceu a partir das oficinas do projeto Cinema para Todos, oferecidas pela Secretaria de Cultura de Bagé em 2011. Juliana Brum comenta que foi durante essas práticas que os dois perceberam que era possível se tornarem realizadores e cujo, filme, reúne toda a equipe que se formou na oficina. Quanto a produção em Torrinhas, a ideia do local foi de Tamile quando visitou o vilarejo e passou a enxergar tudo como locações, explica Juliana Brum.
- A partir disso fizemos algumas visitas, entrevistamos uma das mais velhas moradoras do vilarejo rural que é minha avó Aida Brum. Ela nos contou alguns acontecimentos que marcaram a história do vilarejo em diferentes épocas e daí nasceu o argumento, criado por João Carlos Silva. O João é tio do Tamile e um ótimo ator que na juventude participou de muitas peças em Bagé e até hoje escreve textos para teatro. Além do argumento, ele assumiu um importante personagem em Ventos de Antanho que é o Padre Hilário, conta. Durante as gravações, entre as funções técnicas, atores e o processo de finalização, Ventos de Antanho envolveu cerca de 20 pessoas, isso, sem contar as pessoas que moram em Torrinhas e, que segundo Juliana, muito contribuíram, até mesmo atuando no filme.
- Precisávamos de muitos figurantes e também de uma criança, com idade entre 6 e 10 anos e aqui estava bem difícil encontrar alguém, principalmente em função de ter que passar o fim de semana longe da família, então conseguimos uma menina lá mesmo e foi maravilhoso, o filme conta com uma ótima pequena atriz, ressalta.
As dificuldades, típicas para o cinema independente, se resumiram, segundo ela, a questão financeira, em gastos com alimentação e produção em geral. Tudo superado pela garra do grupo e pelos familiares que apoiaram o projeto. As filmagens do curta começaram em setembro deste ano, com quatro diárias, divididas em dois finais de semana. Juliana Brum destaca que o aspecto que deixou a todos felizes foi terem uma música feita especialmente para o filme. A realizadora salienta a participação de Lucas Trindade, que além de desempenhar um papel expressivo, que exigia concentração e dedicação, por ser o ator principal e assumir o posto faltando apenas três dias para o começo das filmagens, também é músico e assumiu a trilha original do filme, trilha que também conta com a colaboração de Nilton Vargas e Francisco Brasil.
Ventos de Antanho nasceu para que pudesse participar do III Festival de Cinema da Fronteira. Agora, os realizadores pensam em leva-lo mais longe, para outros festivais no país. Juliana Brum afirma estar sempre com muita vontade de fazer cinema, com ideias, mas nada concreto. Sobre Bagé e Região, ela disse que há muita coisa que pode e deve ser explorada cinematograficamente. Sobre o cinema, ela ressalta que para todos que desejam ingressar na área, é imprescindível não desistir na primeira barreira. Aspectos que dificultam o "fazer cinema" no interior, mas que trazem um prazer maiod quando se consegue chegar ao produto final. Além disso, ela agradece e ressalta o incentivo do cineasta Zeca Brito, alguém que difunde o cinema de forma tão ousada no município.
- O III Festival de Cinema da Fronteira é mais que um grande evento que trouxe a Bagé convidados renomados internacionalmente, como Jean-Claude Bernadet e Helena Ignez, o Festival da Fronteira está dando espaço não só para o cinema local, mas também para a música e a dança produzidas aqui, afirma.
Ficha técnica de Ventos de Antanho
Direção Juliana Brum e Tamile Padilha
Produção Ovelheiro Filmes e Co-Produção Horizon Express
Atores: Lucas Trindade, Ana Laura Barros Paiva e Dilce Mara Oliveira
Roteiro Juliana Brum e Tamile Padilha
Argumento: João Carlos Amaral da Silva
Direção de Fotografia Edison Larronda
Direção de Arte Juliana Brum
Direção de Produção Taliane Padilha
Produção Executiva Murilo da Rosa Alves e José Wilson Torales
Montagem e Desenho de Som Fabricio Rossato Fagundes.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
A musa do Cinema é a musa do Festival da Fronteira
- Eu acho incrível esse Festival de Cinema da Fronteira -
- É preciso mudar e transformar o Brasil -
- Ninguém investe no cinema brasileiro, dependemos dos editais. É muito difícil produzir filme no Brasil.
Por Fernanda Mendonça e Marcelo Pimenta e Silva
Os tempos não são mais de guerra fria e a contracultura há muito deixou as ruas e o cotidiano para tornar-se lembrança de um período mágico e de convergência entre as artes, a política e a sociedade, porém Bagé está vivendo em seu III Festival de Cinema da Fronteira um encontro único com o passado que traz novas perspectivas à Sétima Arte.
A atriz, produtora e diretora, Helena Ignez, uma das homenageadas do Festival, é personagem viva da contracultura brasileira, mas não é escrava do passado. Vai além dele, ao manter vivo o discurso da juventude anárquica daqueles jovens, que como ela e o seu marido, Rogério Sganzerla (já falecido), ousaram criticar o mundo conservador e, que ainda hoje, busca encontrar o verdadeiro Brasil.
Essa juventude é exalada em seus pensamentos e projetos e na vontade de ainda produzir um cinema autoral que agrade ao povo, que ele ria, mas que também reflita em suas belas imagens e que talvez se questione se esse Brasil de múltiplas faces apresentadas em seus filmes não é a sua própria representação.
E nesse processo quase antropofágico, Ignez vem até uma cidade de fronteira do Rio Grande do Sul falar de seus projetos e de seu passado, tempo que é o presente, pois em sua carreira de artista de vanguarda, ela foi a atriz que como uma guerrilheira da arte, trouxe à cena à mulher do século 21 em pleno Brasil ditatorial dos anos 60 e 70.
Nesse período sua beleza estonteante incendiava em películas como o "Assalto ao trem pagador", o "Bandido da luz vermelha" e a "Mulher de todos", todavia sua beleza vinha com atitudes transgressoras que mostravam uma mulher que não aceitava concessões e nem meros rótulos. Helena Ignez, essa baiana de fala tranqüila e de ideias pontuais sobre a arte, a sociedade brasileira e o próprio futuro do cinema, conversou com o FOLHA DO SUL, numa entrevista que serve como registro histórico do momento em que Bagé encontrou o Brasil.
Helena conversa com a reportagem do Folha - Foto de Antonio Rocha |
Como é a produzir filmes no Brasil?
Existe um problema dos filmes no Brasil só serem patrocinados pelos editais, e ainda bem que existem esses editais que fazem parte dessa era Lula.
Existe incentivo financeiro para o cinema brasileiro?
Não, pelo desconhecimento total do cinema brasileiro pela elite culta, que acaba desprezando-o, mas o que eu culpo, principalmente, é o desconhecimento. Então, não existe investimento nenhum nessa indústria, no bom cinema.
A gente depende completamente dos editais, com "Luz nas Trevas" (2010- filme de autoria da atriz), que está aqui, foi assim. Eu ganhei todos os editais em dois anos, mas esse é um caso raríssimo, normalmente, você não entra com essa sorte. Essa sorte eu acho que veio de vários lados, inclusive por ser um filme do Rogério Sganzerla, então ganhamos quatro editais e só assim podemos fazer o filme, mas normalmente pra você ganhar quatro editais, você passa quatro anos. Então é extremamente longo, esse que é o grande problema do cinema de produção, do cinema bom, o verdadeiro cinema, não o cinema que pega o lado da televisão sem ser televisão. O número de filmes nacionais, que passa na televisão é muito pequeno, a não ser no Canal Brasil, que dá uma divulgação enorme para o cinema brasileiro.
Como tu observa a nova produção cinematográfica e os novos diretores?
Olha, os jovens cineastas são os melhores, isso é impressionante como está vindo uma safra absolutamente maravilhosa de cineastas brasileiros, que já estão ai com seus primeiros, segundos, terceiros filmes, como o próprio Eryck Rocha (cineasta de Transeunte, filho de Glauber Rocha).
E a possibilidade de fazer filmes em suporte digital, isso facilita uma maior produção cinematográfica?
Facilita muito, mas o 35 mm ainda tem o seu lugar e muito dos festivais não aceitam cópias a não ser de 35 mm. As leis brasileiras exigem, que num determinado orçamento você tenha uma cópia em 35 mm pra entregar para a Cinemateca Brasileira, então o cinema 35 mm barato pode ser feito com resultados extraordinários, é o caso do próprio "Luz nas Trevas", que já abriu a sua carreira brilhante, passando junto ao "Bandido da Luz Vermelha" (1968- Rogério Sganzerla), no Festival de Cinema de Locarno, na Suíça.
Como foi dar continuação à película de Sganzerla, "O Bandido da Luz Vermelha" através do roteiro que ele deixou?
O roteiro me foi dado por Rogério, ele tinha mais de 500 páginas, era mais do que um roteiro, eram páginas soltas, escritas, para serem transformadas em um roteiro, com um valor extraordinário literário.
Nós já recebemos inúmeras propostas para lançá-lo como roteiro, mas estamos escolhendo, é um roteiro realmente extraordinário, de uma qualidade Shakesperiana, grande roteiro, inclusive o Jean Claude Bernardet (teórico do cinema brasileiro), ontem, me perguntou: - Você não quer editar o roteiro de Luz nas Trevas? Isso era urgente, um roteiro que vai ser editado por si só. Reorganizei para filmá-lo como um roteiro normal, nos moldes que se pedem ao filme, com aquela metragem, 90 minutos. Essa parte é toda minha, que foi uma parte de seleção e de trabalho de construção do que eu tinha, eu tinha mais do que precisava, eu tinha ali três roteiros e dali eu tive que fazer um, essa é a minha contribuição para o roteiro de "Luz nas Trevas", eu não usei uma palavra minha.
Como se constituiu como uma mulher que atua, dirige e produz?
Eu comecei fazendo de tudo, inclusive escrevia e quando eu comecei a namorar o Glauber era uma garota ainda, nós dois éramos dois garotos. Ele me conheceu escrevendo, o que poderia ser para cinema, por vontade de ser atriz. No primeiro trabalho que eu fiz, que o Glauber também fez, "O pátio", eu tenho um trabalho autoral, não está lá, mas tá todo ligado a minha atividade de atriz, dançarina, coreografa. Eu tenho uma parte da co-direção desde o começo, mas eu não ia disputar a produção com o Glauber e depois com o Rogério, então não fazia sentido. Mas eu dirigi também, nos anos 70, com o Rogério e com o Júlio Bressane (cineasta do Cinema Marginal e Novo). Depois eu fiz um curta, meu, que foi selecionado para milhões de festivais. É uma vontade que vem comigo há muito tempo e agora é realmente uma obrigação metafísica, é uma missão de continuar um trabalho que foi interrompido, porque Rogério morreu no auge da sua produção intelectual, sendo glorificado também por esse roteiro, que ele deixou, que eu tenho nas mãos, então o "Luz nas Trevas", se apoderou do Bandido da Luz Vermelha. Ele pode fazer isso, ele é um filme impar, ele não é meu, ele também é do Rogério e ficou um filme extraordinário e digo sem erro, o extraordinário vem muito da origem, que eu também estou, graças a Deus, o próprio Bandido....
A transgressão dos seus papéis ainda existe? No "Luz das Trevas" ele se faz presente?
Eu acho que ele continua presente no "Luz nas Trevas", do personagem inclusive que eu faço, ali é o ápice, porque ali é a transformação dele. Então é o ápice, porque ela, essa personagem transgressora é intergaláctica, ela entrega a ele uma mala que é uma mala do eu, a identidade perdida. Ela entrega o eu a ele, pra bom entendedor meia palavra basta.
Esse filme faz parte de um Cinema que pensa, dentro de um cinema completamente comercial. Ele agrada qualquer pessoa que assiste.
Ney Matogrosso e Helena Ignez em Luz nas Trevas |
Como era ter um comportamento transgressor em plena ditadura militar?
Eu conheci os dois lados, conheci um lado, de celebridade, porque o cinema estava no auge, então estrela de cinema era o auge, esse período era absolutamente celebridade, e ao mesmo tempo distância, que pra mim não era bom. As pessoas se distanciavam, tinham medo e o trabalho começou a ser cortado na época da ditadura. As pessoas tinham medo do comportamento transgressor
Na minha vida pessoal também era assim, mas no sentido de costumes fashions, vamos dizer assim, inclusive a própria forma de me vestir, que é diferente. Então é a mesma coisa, eu também tenho esse deslocamento hoje igual, porque me desenvolvi como ser humano de uma forma peculiar, inclusive no vestir, no ser, então sempre transgredindo de certa forma. Conheço isso, claro que na época era ditadura, e o conservadorismo era mais forte e excluía, dos bens de consumo, das produções.
Sobre o que fala o seu novo projeto cinematográfico intitulado "Ralé"?
No fundo o filme fala sobre a transformação que é possível nas pessoas através do pensamento, porque são todas pessoas que a vida de alguma maneira chicoteou em algum momento. Sempre por autodestruição e elas se transformaram. Nesse período, elas estão saindo para uma transformação maravilhosa através do pensamento.
Em que fase está a produção?
Esse filme está nascendo e estamos captando recursos. Algumas coisas conversadas, com pessoas que se interessam em captar verbas. Não é um momento fácil para a cultura.
Tem alguma previsão para o começo das filmagens?
Eu tenho algumas filmagens em maio em Manaus porque é a época perfeita para se filmar, porque depois com a chuva já começa a dificultar, porque o filme tem uma parte grande junto a uma população ribeirinha, com sequências diferentes que participam o Ney Matogrosso e eu, ligados à cultura amazônica e xamânica. Um filme que tem um apelo muito forte. E a Aurora Leão (Curadora do Festival da Fronteira) tem sido importante nesse processo porque além de ser atriz no filme ela tem essa rede de contatos com Manaus e com a Secretaria de Cultura da cidade. Manaus é um lugar elegantíssimo. Um lugar do Brasil que precisa ser conhecido e é a porta para o epicentro do mundo que é nosso e que é a Amazônia. E nesse pensamento antropofágico ligado a Oswald de Andrade e ao Rogério Sganzerla, porque a Ralé é uma história ligada a esse pensamento.
É um filme de baixo orçamento com 1 milhão de reais. O filme terá também locações em uma cidade grande, penso em São Paulo, para fazer cenas de uma cidade que está em construção e vai mostrar a identidade brasileira
O relacionamento com Glauber Rocha no começo da sua carreira, o namoro com Julio Bressane e o casamento com Rogério Sganzerla foram definitivos para o seu envolvimento com o cinema?
Absolutamente, sim. Glauber foi definitivo, assim como Rogério. Eu conheci Glauber com 17 anos de idade e nós tínhamos a mesma sensação de mundo. Achávamos que estávamos numa província e queríamos ir longe. Era um grandíssimo companheiro, muitíssimo próximo a mim. Meu cinema é muito "Glauberiano", então eu tenho esse elo e depois foram 35 anos de paixão e amor inacabado e eterno com Rogério, na arte e na vida, no perceber o que é a arte e a tragédia que é a genialidade. E tivemos filhas e netas. Eu tive o dom de unir e valorizar essa coisa, mas eu também destruí muito a minha vida.
Uma dedicação também espiritual ao cinema de Julio Bressane e que está totalmente presente nos filmes. Júlio é um mestre e gostar do cinema de Julio Bressane é um passe de inteligência. E é uma pessoa genial e íntegra. E ele parece nessa relação de abrir caminhos, pois ele era o único brasileiro jurado no festival de Roterdã (Holanda) e agora eu fui convidada para ser, o que para mim é uma honra e isso tem um peso.
Rogério e Helena |
Como é carregar o título de "musa do cinema novo"?
Esse título foi dado por Luis Carlos Barreto através dos filmes que fiz no Cinema Novo, como o "Padre e a Moça", "A grande Feira" e o "Assalto ao Trem Pagador", muitos produzidos por ele. Um ótimo fotógrafo e ele me deu esse título. Ele trabalhava na revista mais badalada da época, a Cruzeiro, e me botou na capa, como "Musa do Cinema Novo". Depois, mais tarde, me associaram como musa do Cinema Marginal.
A musa |
Luz nas trevas é o seu grande filme?
É o meu filme maior. Diferente do "Canção do Baal", filmado em formato digital, esse é filmado em película. Por ter ganhado quatro editais e ter um set, o mais incrível e luxuoso. O mesmo diretor de produção dos filmes de Walter Salles. Então, era tudo em alto nível. O Ney (Matogrosso) disse "Mas isso não é baixo orçamento, isso é alto orçamento!".
Dizem que após seus personagens, as atrizes brasileiras teriam se inspirado no seu estilo transgressor de interpretação. Tu acreditas nisso?
No cinema, sim. Mas de qualquer forma em "Mulher de Todos" (1969- Sganzerla), como disse maravilhosamente o Zeca (Brito), é difícil de fazer outro filme com atuações daquele tipo. Tudo contribuía. Em primeiro lugar, o momento político de 1968 invulgar da criatividade. Você já entrava com uma carga artística e isso fica evidente com a qualidade dos filmes do mundo inteiro daquele período. Tinha uma convergência extraordinária. Depois tinha um gênio do cinema que nasceu aqui perto em Joaçaba (SC), que é Rogério, e junto a pessoas antenadas, inclusive pessoas que tiravam o dinheiro do banco para fazer. Depois, 15 dias após o lançamento fomos pagos com o sucesso de público. Agora, para ter outra "Mulher de Todos" vai demorar uns cem anos.
Jean-Claude Bernadet (crítico de cinema) disse no passado que o filme "Mulher de Todos" era o melhor filme brasileiro de todos os tempos e agora ocorre essa sinergia de vocês estarem em Bagé num mesmo evento e sendo homenageados. Como tu observas esse momento?
Eu acho ele adorável e estou aqui por uma convergência, num momento cheio de trabalhos. A distância de Porto Alegre a Bagé é quase uma "Rio-São Paulo" e por uma sinergia que estou aqui nesse momento especial.
O cinema fora do eixo
Por Fernanda Mendonça e Marcelo Pimenta e Silva
"Não se trata de jogar fora o que eles fizeram, mas também não se amarrar apenas a isso, afinal a vida continua", declara Bernardet sobre o Cinema Novo.
Um dos homenageados do III Festival de Cinema da Fronteira, crítico, ficcionista, roteirista, teórico, pesquisador e autor de diversas obras sobre o cinema brasileiro é Jean-Claude Bernardet, dono de um olhar apaixonado pela Sétima Arte e de palavras que expressam muito bem o que querem dizer. Nascido na Bélgica, mas de família francesa, Bernardet passou a infância em Paris e veio para o Brasil aos 13 anos. O teórico, diplomado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) e doutor em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA), concedeu, ontem, entrevista à FOLHA DO SUL.
Depois de alguns anos, como crítico de cinema em jornais de São Paulo, Bernardet se tornou um interlocutor do grupo de cineastas do Cinema Novo. Foi um dos criadores do curso de cinema da UnB, em Brasília, e deu aulas de História do Cinema Brasileiro na ECA. Foi perseguido e exilado pela ditadura militar, que o retirou apenas das atividades acadêmicas, em 1968, já que o pesquisador achou outros meios para continuar ativo e só conseguiu voltar a USP em 1979.
Entre as suas obras estão os dois ensaios poéticos de média-metragem, dirigidos por ele, que falam de São Paulo, cidade em que mora, "Sinfonia e Cacofonia" (1994) e "Sobre Anos 60" (1999). E o livro que foi um marco, em termos de crítica cinematográfica no país, "Brasil em Tempos de Cinema" (1967).
A homenagem a Bernardet, que acredita no potencial do cinema brasileiro, acontece hoje às 18h, no Centro Histórico Santa Tereza.
Por que vir até Bagé, mesmo com todos os problemas que o senhor tem para se deslocar?
Bom, da minha parte, eu trabalhei desde os anos 60, eu sempre fiz palestras e viajei pelo nordeste. O meu trabalho vai no sentido de não fortalecer o regionalismo e não fortalecer a ideia de que Rio e São Paulo são nacionais e o resto é regional, essa é a minha linha de trabalho, sempre fora do eixo, além de não fechar as regiões sobre seus tradicionalismos. Não quer dizer que não possam fazer isso, mas isso não tem que ser um dever.
Eu estar aqui faz parte da minha linha de trabalho. E vou dizer mais uma coisa, eu estou ficando cego, essa é uma doença causada pelo envelhecimento. Estar aqui é uma possibilidade de estar com pessoas jovens, pessoas dinâmicas, que fazem as coisas, e pra mim tem um sentido de vitalidade.
Algumas pessoas acreditam que Bagé possa se tornar um pólo de produção em cinema. Na sua concepção essa possibilidade existe?
Que existe, existe com as mídias digitais. Depende do que as pessoas querem fazer. A questão que se coloca depois é como circulam as coisas.
Aqui no Brasil é tradicional que se pense a produção desvinculada da circulação. Então é importante saber o que você produz, pra quem você produz e como chega.
É sempre bom pensar eu produzo pra que, produzo em que. E não esquecer que os pequenos festivais, os grandes eu tenho as minhas duvidas, mas os pequenos festivais são muito importantes para a circulação dessas obras, porque eles são a janela para o cinema, que não seriam vistas, caso o contrário.
Em 1968, no Festival de Brasília, o senhor lutou para que O Bandido da Luz Vermelha ganhasse o prêmio. Passado mais de 40 anos, você e Helena Ignêz (musa do Cinema Marginal) são homenageados em Bagé, em sua opinião qual é a herança desse movimento?
Nessa situação que você coloca a minha maior curiosidade é ver o filme da Helena Ignês (Luz nas Trevas- película que dá sequência ao filme Bandido da Luz Vermelha).
Apesar de eu ter começado a minha carreira nos anos 50, eu não passo todo o dia remoendo isso, eu 'to mais ou menos preso ao passado, mais por uma condição de estar ficando cego e de não poder ter uma atividade muito grande na universidade. Mas eu não me prendo ao passado, mas uma coisa que é indiscutível, se algumas pessoas como Rogério Sganzerla e Glauber se tornaram ícones para a juventude, a importância que nós lhe damos pode ser muito especial para a juventude.
Certa vez estive num evento sobre o cinema dos anos 60 e de repente uma moça gritou: "Eu não aguento mais!". E ai, eu parei e pensei que ela não aguentava mais era essa referência aos anos 60. É Gláuber, é Cinema Novo, é Bressane, é Sganzerla. Então, não se trata de jogar fora o que eles fizeram, mas também não se amarrar apenas a isso, afinal a vida continua.
O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla |
Qual a sua opinião sobre o recente ciclo de filmes que falam da ditadura? Não se criou um "gênero" ou "filão" de filmes sobre o período como os filmes direcionados ao público espírita?
É difícil você pensar essa questão ditatorial só em termos cinematográficos, porque isso é um trabalho de sociedade e o cinema faz parte disso. Agora, uma das questões que parece nos estrangular no Brasil é o aparelho legal que foi montado no fim da ditadura que não possibilita julgar os militares e torturados, diferentemente do que está acontecendo em países como Argentina, Chile e, mais recentemente, no Uruguai. A produção dos filmes brasileiros sobre esse tema está dentro de um ambiente em que a abertura não funciona. Por isso, esses cineastas têm que serem vistos dentro dessa sociedade. Nós estamos um pouco numa situação de vivermos dizendo que a ditadura não foi tão violenta quanto na Argentina, mas há um problema de não termos um instrumento legal para julgar os crimes cometidos pelo regime.
Hoje (13/12) marca o 43º aniversário da promulgação do AI-5 (Ato Institucional Nº 5 colocado em vigor pelo presidente Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 que cerceava todas as liberdades políticas e civis e funcionava como um "golpe dentro do golpe"), o senhor vivenciou esse período, como era fazer críticas cinematográficas e dar aulas nesse ambiente?
Bem, eu caí com o AI-5. O AI-5 foi aplicado a USP no inicio de 1969 e eu voltei com a Lei da Anistia em 1979. Com o AI-5, eu tive uma vida paralela. Houve uma lista de 25 professores da USP, cujo AI-5 fez com que os professores não recebessem dinheiro público. O que evidentemente impedia qualquer trabalho em universidade que não fosse privada. E impedia também uma série de trabalhos com dinheiro público. Era uma maneira de nos impedir de sermos ativos. Mas alguns conseguiram e até mesmo se tornaram presidente da República como o FHC, e eu fiz alguns filmes, e muitos cursos de cunho de resistência, o que possibilitava que eu pudesse viajar muito ao Nordeste, junto a estudantes, além de propostas de formação de cine-clube. E também na época eu fui um crítico da oposição, escrevendo para o jornal Opinião, um jornal alternativo e que tinha artigos contra o regime do período. Se a ditadura impediu de eu dar aulas, eu pude ter uma participação ativa.
O senhor era interlocutor do Cinema Novo. Depois de uma publicação em 1967, Brasil em Tempo de Cinema em que o senhor fez uma crítica ao movimento e que não foi bem recebida pelo Glauber Rocha. O senhor ainda pensa que era um cinema feito pela "classe média"?
O Glauber também pensava isso. Eu e Glauber nunca brigamos, até 1980 mantivemos uma relação boa. Se você pegar o "Câncer" (obra dirigida por Glauber Rocha) filme que foi rodado em 1968, filmado depois do Brasil em tempo de cinema e pegar o filme montado um pouco depois, em 1972, verá que o cinema é um trabalho de uma classe média radicalizada. A interlocução não só continuou como foi profunda. A ideia de que eu me cortei das pessoas é falsa. Eu me cortei foi dos papos de bar, isso reconheço que sim. Agora que houve uma interlocução funda, houve sim, porque não é frequente um cineasta como Eduardo Coutinho, um dos maiores cineastas brasileiros vivos, e que fez um dos filmes principais como o "Cabra Marcado para Morrer" dizer que dentro da concepção do filme, ele trouxe aspectos que já tinham sido levantados como problemáticas em meu livro Brasil em tempo de cinema, com quase 15 anos de publicado.
Então, a interlocução é não entrar num debate dizendo "sim" a tudo.
Nesse período, meados dos anos 60, o conceito de "classe média" era um conceito muito tosco. Se eu tivesse feito esse livro, um pouco mais tarde eu certamente teria uma conceituação mais elaborada que eu não tinha na época. Mas era o que eu tinha ao meu alcance e teve uma repercussão. Hoje, eu escreveria diferente.
Glauber Rocha |
Como o senhor avalia o cinema atual, por exemplo, as obras da "indústria Globo"? Por que alguns filmes também bons não entram nesse circuito?
As pessoas acham que os intelectuais não gostam da produção da Globo. Eu, como intelectual, sou favorável a uma produção industrial vinculada a grandes circuitos. Não sou contra a obras como "Se eu fosse você". Sou a favor de "Tropa de Elite" e não é verdade que sou contrário a esses filmes. O que acontece é que só alguns filmes conseguem ir para os circuitos, esses filmes em geral não vão se não tiverem algum vínculo com a Globo, como por exemplo "O Palhaço", que entrou em um grande número de salas, não é da Globo, mas tem uma distribuição vinculada e pensar que não tem sentido em dizer que o que importa é o Festival do Rio e o de Bagé não tem essa importância. É o contrário: essa complexidade que importa. Você pode ter a certeza que eu não meti o "pau" (sic.) nos filmes da Globo.
Ainda existe o preconceito de que muitas pessoas não assistem filmes brasileiros porque o cinema nacional é muito ruim?
Nos anos 50, 60, um dos objetivos do Paulo Emílio Sales Gomes era convencer a elite cultural, elite social da importância do cinema, só que a história tem vários ritmos, e a histórias das mentalidades é de ritmo mais lento, a mentalidade é o que mais demora a se transformar, de forma que assim modificações sensíveis em relação ao panorama que acontecia nos anos 60, daquele desprezo total de não considerar um cineasta, como o Glauber Rocha, isso não existe mais. O Coutinho, cineasta é convidado, foi pra Bélgica, mudou muita coisa, no entanto tem que reconhecer que nas camadas mais cultas essa resistência continua.
Livro que foi um marco na crítica cinematográfica brasileira |
Cinema e política no Festival da Fronteira
Exibição de longa durante o III Festival de Cinema da Fronteira aborda o cinema político como objeto de reflexão conscientização
Por Marcelo Pimenta e Silva
O cinema como instrumento de discussão e reflexão política possibilitou ontem, no Centro Histórico Santa Thereza (CHST) durante o III Festival de Cinema da Fronteira, a observação da realidade de um país distante, o Afeganistão. Todavia, suas problemáticas estão próximas de todos nós, orientais ou ocidentais desde a queda das Torres Gêmeas em setembro de 2011 e quando o regime fundamentalista do Talibã ganhou destaque nos noticiários do mundo.
Na ocasião, o filme e o debate Fronteiras Políticas tiveram como proposta a exibição do longa "A Caminho de Kandahar" de Mohsen Makhmalbaf, lançado no ano de 2001, além de uma discussão sobre a obra com o filósofo Luís Rubira. O filme apresenta o cotidiano de um país, que assim como outros, foi 'palco' da disputa política entre EUA e a antiga URSS durante a Guerra Fria. Após a queda do muro de Berlim (1989) e o fim do conflito bipolar, o Afeganistão, que em 1979 foi ocupado pela União Soviética, cai nas mãos de grupos radicais como o Talibã que através do fundamentalismo religioso toma o poder e promove ações de terror dentro do país quanto em outras regiões do planeta.
A apresentação do filme e o debate são baseados no trabalho de Ciclos de Cinema, o Cine Filo, do Departamento de Filosofia da Ufpel, que tem a coordenação do professor e filósofo Luís Rubira.
Com a primeira série de filmes exibidos em 2010, o Cine Filo teve, em seu primeiro ciclo, a discussão em torno dos grandes conflitos da humanidade representados em 28 obras cinematográficas. Dividido em três atos ou séries (O mundo durante a Guerra Fria 1945-1991; Da Revolução Francesa ao fim da década de 40 e Do fim da Guerra Fria aos nossos dias), um público formado por estudantes e comunidade em geral pôde assistir de filmes cults como "Os Possessos" (Andrzej Wadja, 1988) e "A Chinesa" (Jean-Luc Godard, 1967) a obras que retratam a ditadura militar no Conesul, como "Estado de Sítio" de Costa Gravas (1973), "Chove sobre Santiago" de Helvio Soto (1975) a "Batismo de Sangue", de Helvécio Ratton (2006), entre outros.
- O Cinema político é o cinema por excelência. Todo cinema é político, mas uma determinada filmografia produzida mo século XX coloca-nos diante dos grandes acontecimentos e das questões políticas da humanidade. Além disso, talvez nenhuma outra forma de arte seja tão apropriada para um contato inquietante com temas como ideologia, imperialismo, totalitarismo, fundamentalismo, intolerância. Ao abordar as guerras, as ditaduras, o terrorismo, as guerrilhas e o processo revolucionário, o cinema político nos faz pensar profundamente sobre os eventos que marcaram e marcam a história do homem, afirma em texto de apresentação do ciclo de filmes políticos.
O evento é prestigiado na cidade de Pelotas pela comunidade em geral, permitindo que um público de 16 a 84 anos e, das mais distintas classes sociais e formação intelectual, possa compreender e se emocionar com a magia do cinema e com os temas ali apresentados.
- O cinema é uma arma para pensar. As pessoas se reúnem por duas horas ao longo da projeção de um longa e, após, refletem e participam da discussão sobre o tema que assistiram, permitindo que diversos temas sejam discutidos e que se relacionem à proposta da obra, o que faz com que o cinema permita às pessoas entender questões específicas como a Guerra Fria, de maneira mais fácil e também proporcione um olhar sobre o mundo.
Já neste ano, a temática da série de filmes abordou as mais diversas manifestações religiosas. Com o título de "A Filosofia e o Cinema Religioso", o segundo ciclo de filmes abordou o conflito espiritual da humanidade em 40 obras cinematográficas. Rubira comenta que o ciclo permitiu que as pessoas tivessem contato com filmes que apresentassem temas como dogmas e fanatismos, sob o olhar da arte e também fossem vislumbradas as mais diversas representações que os diretores têm sobre um determinado assunto.
- Na mostra, apresentamos três filmes que abordam a personagem Joana d'Arc, desde o primeiro "O Martírio de Joana d'Arc" de 1928 até a recente produção de Luc Besson com Milla Jovovich, de 1999.
O ciclo, como o que tratou de política, divide-se em três eixos: "O Conflito Espiritual", "A Convicção Religiosa" e "O Percurso Interior". Nele, clássicos de Bergman, Kurosawa, Rossellini, Wenders, Buñuel, Rocha e Tarkovsky "dialogavam" com obras não tão conhecidas, mas tampouco menos importantes, de autores como Denys Arcand, Karin Albou, Ricardo Dias, Benjamim Christensen, entre tantos outros.
Para 2012, Rubira comenta que serão apresentados 30 filmes e que a temática do ciclo será a psicologia humana.
domingo, 11 de dezembro de 2011
Mídia e violência: a popularização dos programas sensacionalistas
Por Marcelo Pimenta e Silva
A veiculação de reportagens com a violência, é um dos assuntos principais de programas “populares” nas emissoras de televisão. Com a justificativa de que se trabalha apenas o discurso jornalístico, a violência pauta cada vez mais a mídia - o velho slogan de que o papel do meio de comunicação é informar a “vida como ela é”, torna-se pressuposto para produções em que os jornalistas tornam-se “agentes da lei”.
Recorte da realidade
Os programas sensacionalistas passaram a contar com uma profusão de espaços na mídia televisiva, a maioria tendo à frente jornalistas-apresentadores que encarnam o papel de juiz e líder autoritário perante a massa espectadora. Não raro, assistimos aos jornalistas adotarem um tom agressivo, com direito a palavras ofensivas para expressar sua opinião. Esse discurso destoa de um telejornalismo tradicional, onde o apresentador serve como “instrumento” para anunciar as reportagens, quase sempre sem expressar a opinião. Todavia, a partir de âncoras como o jornalista Boris Casoy, que ficou conhecido por emitir opiniões para a câmera, tendo como lema o bordão “Isso é uma vergonha!”, o papel do âncora, como um simples apresentador de notícias, acabou mudando.
Da Tena: jornalista vira juiz e vigia da sociedade |
A dita imparcialidade do jornalismo não funciona, visto que é comprovado que a produção de notícias parte de ações subjetivas, desde captação de informações, edição e a própria apresentação. Ou seja, o jornalismo produz discursos constituídos de recortes da realidade que é apreendida segundo a subjetividade de cada ator social. Portanto, os velhos paradigmas que caracterizam o valor da notícia: atualidade; universalidade; proximidade e proeminência caem por terra no campo desses programas de “jornalismo denúncia”, praticados cada vez mais na televisão aberta.
A pauta diária desses programas é baseada na denúncia de uma sociedade alijada em seus valores e princípios, onde o caos toma conta de todos os espaços e há pouca presença efetiva do Estado para que seja concedida a proteção e a segurança do cidadão. Dessa forma, a mídia expõe a falência do Estado de forma crítica. Suas notícias apresentam apenas esse modelo da realidade, sem a possibilidade de uma construção de debate ou de novas perspectivas. Essa espécie de “jornalismo apocalíptico”, que seduz a massa com a insegurança, essa atuante num contexto histórico sem mais ideologias, passa a enaltecer apenas a mídia como instrumento socializador e regulador de certa “normalidade”.
A mídia como vigia da sociedade
Nos programas de “jornalismo policial”, o Estado só ganha destaque pelo aparelho de repressão da polícia, sempre enaltecido como “símbolo ordeiro”, mal visto pelas autoridades que não favorecem a classe de funcionários da segurança. Nesse intuito, uma sociedade desorganizada e insegura é aquela que não paga salários melhores para os policiais e nem aumenta o efetivo nas ruas. Com esse tipo de discurso, os programas jornalísticos beiram uma tônica voltada aos ideais totalitários de que a repressão é a melhor saída para qualquer tipo de sociedade. Em nenhum momento é discutido que os problemas de violência e criminalidade são de ordem social, tais como a histórica disparidade econômica entre as classes; a educação que recebe o descaso de governo a governo, bem como a política nacional direcionada a interesses partidários e de diversas instituições e empresas que formam uma concentração de renda fomentadora da exclusão social.
Programa legitima a visão do poder policial: Apenas uma versão dos lados nesse jornalismo |
Nessa espécie de comunhão de forças que envolvem jornalistas e sistema de repressão, a figura da mídia - com a possibilidade de transmitir do alto de um helicóptero policial todas as ações por terra dos agentes de segurança - constrói a idéia da mídia como vigia social, protetora da sociedade.
Tropicalismo: quebra de paradigmas na cultura nacional
Tropicalistas prontos para a revolução |
Por Marcelo Pimenta e Silva
A importância do movimento tropicalista para a cultura brasileira ainda não foi de todo resgatada. Marco cultural e social de um período de contestações sociais, a Tropicália, como ficou conhecido o movimento, foi tão revolucionário quanto à bossa nova para a cultura brasileira em termos globais.
A gênese do tropicalismo ocorre quando os músicos Caetano Veloso e Gilberto Gil exploram canções com novas perspectivas de melodia e letra nos tradicionais festivais da canção, espetáculos transmitidos ao vivo pela televisão e com grande audiência no país. As primeiras canções tropicalistas “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”, respectivamente, mostravam-se como uma ruptura com a música tida como nacionalista, como também com a dita “alienada” da jovem guarda, uma espécie de versão comercial e ingênua da “beatlemania”. Os músicos apresentavam um novo estilo musical numa espécie de “mosaico” contendo inúmeras manifestações artísticas do país que dialogavam entre si, tendo como proposta aliar o exotismo do folclore brasileiro com suas mais variadas manifestações, seja o carnaval, a música brega, a literatura de cordel, entre outros. Essa busca por incorporar no universo pop, as características locais é o sinal de que o tropicalismo estava em sintonia com o espírito dos anos 60 que é o de revolucionar os modos e costumes da sociedade daquele contexto.
Diálogo com outras expressões artísticas
O tropicalismo não foi apenas um movimento musical. Por nascer na efervescência da contracultura e utilizar as informações de uma sociedade que começava a se tornar uma “aldeia global”, o movimento se desenvolveu e teve vínculo com outras manifestações radicais em linguagem e estética como o cinema novo de Glauber Rocha; o teatro autoral e inovador de Zé Celso Martinez Corrêa; o cinema marginal; a imprensa alternativa com jornais como o Pasquim e também nas instalações artísticas de Hélio Oiticica, cuja instalação Tropicália, batizou o movimento. Esses são apenas alguns exemplos de “diálogo” tropicalista com outros formatos de arte e comunicação, diálogo que tinha como base a influência dos ideais modernistas de 1922. Para o tropicalismo, o essencial era estabelecer contato com a população brasileira, através dos meios de comunicação de massa que estavam se consolidando, produzindo arte sem rótulos ou limites, trazendo desde a poesia concreta dos irmãos Campos até a expressão estética popular e irreverente de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, uma espécie de símbolo da proposta estética do tropicalismo.
Chacrinha: a anarquia e a estética do programa influenciaram o movimento |
A experiência tropicalista (1967-1969) resultou na quebra de paradigmas da cultura brasileira daquele período.
Após a decretação do AI-5 (Ato Institucional N°5) em dezembro de 1968, e com o exílio dos dois principais protagonistas do movimento (Caetano Veloso e Gilberto Gil), praticamente a Tropicália acabou. Os remanescentes passaram a ser identificados como pós-tropicalistas e dentre eles, estava o poeta, jornalista e compositor Torquato Neto, mentor do movimento, que acabaria envolvido com diferentes áreas da produção cultural conhecida como marginal. Torquato ao criar uma espécie de ideologia tropicalista onde propunha uma estética fragmentária que culminaria em composições com citações e “imagens” típicas de um roteiro de cinema, revolucionou a forma de se fazer música no Brasil. O poeta, não apenas adicionava novos elementos às canções populares no país, como também abria espaço para que o espírito comunitário, tão em voga com o movimento hippie, fosse adotado por outras áreas, sejam elas as artes plásticas, o teatro, o cinema e a própria imprensa.
Torquato Neto: ideólogo do movimento virou poeta marginal após o exílio dos tropicalistas |
Passados mais de quarenta anos do auge do movimento tropicalista suas propostas ainda são atuais. É necessário sempre resgatar sua história para que possamos entender não apenas a música e a cultura brasileira contemporânea, mas compreender que a arte pode trazer novas perspectivas para uma sociedade.
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