sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cinema e Política: diálogo sempre necessário


          Na última década houve uma proliferação de filmes que abordavam temas políticos. Fenômeno registrado no Brasil, o cinema com temas políticos teve seu equivalente na Europa e Estados Unidos. Grandes produções, ou filmes de baixo orçamento, exploraram a verborragia utópica de um cinema “verdade” das obras contraculturais das décadas de 60 e 70. A diferença é o senso de nostalgia e, a conseqüente, ‘romantização’ de um ideal de mundo que virou artigo “retrô” da moda ou um símbolo heróico para aqueles que não viveram, mas gostariam de também pegar em armas e fazer as suas “barricadas do desejo” como tão bem salientou o filósofo “top” de 1968, Herbert Marcuse. Claro, o mundo mudou e estamos em um período em que não sabemos ao certo qual é o caminho para a civilização, afinal toda e qualquer ideologia é contestada por ter um caráter ideológico.

            No país das bananas, do samba e do futebol, passamos a adotar como coisa “tão nossa” o produto corrupção e aceitamos indiferente a condição de meros espectadores desse teatro bufão que se instalou em Brasília – atual espelho da deterioração de caráter nacional. Porém, o cinema sempre foi a arte que melhor (e com maior alcance) representa nossa condição humana. É pela dita sétima arte que ocorre a identificação com o personagem representado. O cinema nos mostra como realmente somos: seja como os inocentes úteis - a tradicional massa de manobra alienada que condena os próprios homens que ao poder foram postos por eles mesmos - ou como os vilões que preferem a omissão, o silêncio e o desdém para todo e qualquer crime cotidiano, tudo para conquistar seu espaço na máquina. Portanto, a ficção acaba denunciando tudo que é real e que se sustenta nos interstícios da vida social. Uma exploração que envolve, de alguma forma, todos os atores sociais numa superestrutura degradante, conhecida, hoje, como sistema político atual. Dessa forma, o cinema político é sempre interessante porque discute aquilo que muitas vezes achamos “chato”, mostrando com outras cores a realidade do dia-a-dia.
 
Hotel Ruanda: filme apresenta massacre esquecido pelo mundo

       
            É inegável que se há interesse do público nas produções políticas é porque precisamos mudar o curso do atual sistema.
            Assim, quando se tem um vácuo de intenções e onde o próprio sentido de mudar um planeta, condenado pelos abusos cometidos em nome do progresso e do desenvolvimento (e de todos os slogans positivistas), não gera comoção na maior parte da população mundial, têm-se a esperança que a arte produza a revolução de costumes.  
           
             Cinema e ideologia

            Nos anos 60 e 70 usavam-se metáforas para transmitir o discurso contra os aparelhos ideológicos de repressão, seja a escola, a igreja, a polícia e os governantes...
            Se a literatura e o teatro rompiam com os paradigmas e contestavam o mundo, a música e o cinema também faziam o mesmo. No campo da sétima arte, tivemos a explosão da Nouvelle Vague francesa que num primeiro momento discutia as relações do cotidiano para depois chegar a produções radicais como A Chinesa, de Godard. Se a obra encontrou eco nas agitações do Maio de 68; no Brasil nem houve tempo e força para produzir um cinema que empolgasse a discussão social. Com os militares no poder, o Cinema Novo foi acusado de ser ideologicamente contraditário, visto que era patrocinado com recursos do governo que criticava. Mesmo assim, o Cinema Novo lançou obras do porte de Terra em Transe, talvez a maior obra política que o país já tenha produzido, porém com a repressão e a censura voraz, o cinema brasileiro passaria quase vinte anos sobrevivendo com as pornochanchadas, gênero que manteve muitos atores e técnicos de cinema à margem, mas ainda no mercado de trabalho. A grande tragédia viria com a extinção de qualquer apoio ao cinema e isso chegaria aos tempos da era Collor, o mesmo que governava no triste ritmo das canções sertanejas de Leandro e Leonardo, enfim: dias trágicos para a arte e a cultura nacional.
 
Saló: A perversão humana legitimada pelo Estado
     

           Nos anos de censura, o público brasileiro ficou privado de produções nacionais que eram mutiladas ou proibidas e também dos filmes políticos realizados em outros países. Obras como Laranja Mecânica, O Conformista, 120 dias de Saló, Último Tango em Paris, Zabriskie Point, If, Giordano Brunno, A Classe Operária vai ao Paraíso, Z, Estado de Sítio, entre outros foram “decapitados” pela censura, ou totalmente proibidos como foi o caso de Último Tango e Laranja Mecânica.

Um Estranho no Ninho:  Metáfora perfeita para o sistema repressor
           

           Algumas obras conseguiram dar seu recado, talvez por ignorância dos censores, tais como Perdidos na Noite, Sem Destino, Cada Um Vive Como Quer e Um Estranho no Ninho.

          Para se ter uma ideia dos tempos complicados para quem desejava ver um filme, digamos contracultural, o premiado e clássico “Toda Nudez Será Castigada”, de Arnaldo Jabor, era retirado dos cinemas e o público escorraçado das salas quando do lançamento do filme, em 1973. A polícia, junto com censores, definia o que era considerado pornográfico ou subversivo, ou as duas coisas juntas. Claro, o tiro saia pela culatra e instigava ainda mais as pessoas procurarem os “brinquedos proibidos”. Como brasileiro sempre deu um jeitinho para tudo, a saída era viajar até o Uruguai, que na época ainda não estava amordaçado por uma ditadura tão barra pesada quanto a brasileira. A revista Veja de 4 de julho de 1973 divulgava as excursões que saiam de Porto Alegre até Montevidéu para que os gaúchos pudessem fazer o ato de subversão de irem ao cinema!!

          As excursões denominadas “Excursão Laranja Mecânica” e a “Operação Último Tango”, por exemplo, reforçavam o interesse do brasileiro por aquilo que era “proibido”, não que tais filmes incitassem a discussão política.


Último Tango em Paris: sexo e amor como política

 Questionário da censura

          Um filme com teor muito mais “político” foi o filme Sacco e Vanzetti, que abordava o assassinato dos dois anarquistas. Certamente, ele era incluído no questionário que os censores respondiam quando assistiam as obras. No questionário, havia questões como: Quanto à moral e aos bons costumes:

A – é construtivo?
B – Aborda conflitos de geração?
C- Induz à prática do amor livre?
D – Mostra cenas chocantes ou imorais?

Ou então:

Quanto ao conteúdo ideológico:
A – Contém propaganda marxista ostensiva?
B – Destaca graves problemas sociais?
C – Aborda problemas raciais, como discriminação racial no Brasil ou poder negro americano?
D – Os problemas fora do Brasil podem ter conotação velada ou sublinhada no Brasil?
E – Procura desmoralizar ou desfigurar a atividade policial ou das Forças Armadas?
F – A Igreja ou os fundamentos cristãos da sociedade – Distorce a doutrina cristã?

           E assim seguia o questionário, quase sempre respondido por censores que pouco sabiam do que se tratava as obras. Tanto é que o mesmo governo que escorraçou o público por assistir Toda Nudez... premiou o filme, através do Ministério da Educação.

Política nos dias atuais: ainda dá pra criticar com arte?

          Hoje, a palavra revolução soa tão artificial quanto uma propaganda de refrigerante, mas ainda há como escapar das produções blockbusters que servem apenas como entretenimento fugaz. Com o advento e expansão da internet todos podem ter acesso aos filmes antes proibidos ou “malditos” por não se enquadrarem nas produções de fácil compreensão. Além disso, percebendo a problemática que envolve nosso tempo, temos um resgate de obras que são feitas para questionar, não apenas o mundo que nos envolve, mas também a nós mesmos que estamos ali, concentrados e bem acomodados perdendo em torno de duas horas da vida real para acompanhar uma “ficção”.

Clube da Luta: mal estar da civilização


            No final dos anos 90 o filme Clube da Luta foi um soco no estômago da sociedade mundial que entende que consumir é o melhor e maior dos verbos. Da Europa, inúmeros filmes como A Vida Sonhada dos Anjos (obra que questiona o tratamento europeu às minorias) e Dogville que desestruturava como já havia ocorrido em outros filmes do movimento Dogma 95, a noção de cinema e espetáculo, bem como da sociedade que funciona à base de regras morais que condicionam apenas hipocrisia e mentira, foram casos de filmes autorais elogiados por público e crítica.

            Se a mídia é o quarto poder, assim como Costa-Gravas exibiu em sua obra homônima que criticava o sensacionalismo explícito e o poder de julgamento dos veículos de comunicação, O Show de Truman (1999) antevia a sociedade do espetáculo regida pela mídia, onde a nossa condição alienante em espiar a vida alheia passou a ser o grande modelo de diversão na “telinha”.

            O genial Bernardo Bertollucci resgatou as revoluções do cotidiano pregadas no simbólico 1968 com o belo Os Sonhadores (2003), onde as contradições de um mundo reacionário são expostas por um trio de estudantes dispostos a viverem novas experiências. Da Alemanha veio Adeus Lênin (2003) que trazia humor ao mostrar o desespero daqueles que desejavam manter as aparências de um regime varrido pelo neoliberalismo. Beleza Americana (1999) destruía todos os mitos americanos, que pela política imperialista passaram a ser os nossos mitos culturais, vindo abaixo antes que as Torres Gêmeas despencassem. Jardineiro Fiel, Syriana, Senhor das Armas, Coisas Belas e Sujas, são exemplos de que a globalização é apenas uma palavra bonita. Fora esses exemplos, temos Paradise Now que apresenta as discussões sempre atuais relacionadas à intolerância e radicalismo e o belo A Culpa é do Fidel que mostra a questão das ideologias radicais nos tempos de Guerra Fria.

Beleza Americana: o estúpido cidadão norte-americano (ou ocidental) no cinema


            Do lado tupiniquim tivemos marcos como Cidade de Deus e Tropa de Elite, filmes que comprovaram que cinema deve gerar discussão na sociedade. Outro grande motivo para a boa produção brasileira foi a tentativa de resgatar o passado recente que a sociedade insiste em esquecer, no caso os “anos de chumbo”. Houve uma série de filmes que trouxeram à tona os abusos cometidos no período de terror que durou duas décadas. Batismo de Sangue, Cabra Cega, Quase Dois Irmãos, Zuzu Angel, O Ano em que meus pais saíram de férias, só para citar os mais conhecidos.
 
            Contudo, o cinema brasileiro não ficou preso em observar o passado recente. Propostas ousadas e críticas contundentes sobre o país foram produzidas durante a década.

            O filme Quanto vale ou é por quilo?, de Sérgio Bianchi é um exemplo. A obra que serve como um panorama das indústrias da miséria social discute o passado e o presente do país. O paternalismo político e o sistema escravocrata se misturam com a realidade de falsos interesses da atualidade, onde a criação de Ongs e setores sociais e os tão aclamados posicionamentos de filantropia, são pura jogada de marketing político das empresas, uma máscara para novos atos de corrupção.

Quanto vale...: O assistencialismo como alternativa para a corrupção


            Outro filme que mexeu com as platéias foi A Concepção. Pesado em suas cenas e angustiante em sua abordagem, o filme mostra um grupo de jovens burgueses de Brasília entediados com a vida alienada e o vazio existencial. Na trama que choca pelas cenas e pelo discurso niilista, essa condição faz com que os personagens criem um sistema político e social baseado na anarquia e na destruição de todos os valores concebidos pela sociedade. Além desse filme, trabalhos como Amarelo Manga e Baixio das Bestas também tem um forte conteúdo político. Abordam a crueza do Brasil, numa denúncia seca e agressiva, mostrando aos brasileiros um país que preferimos não ver.

Baixio das Bestas: O mesmo Brasil da Copa é o Brasil das bestas

            O cinema político é vital para a compreensão do mundo que muitas vezes se mostra “difícil” de compreender. Quando somos bombardeados por notícias, muitas sem um aprofundamento necessário ou até mesmo uma abordagem menos rasa em conteúdo, precisamos buscar essa compreensão em livros e filmes. O cinema é um veículo de comunicação que consegue esse efeito e muitas vezes um filme não precisa ser baseado num “discurso político” para fazer política, afinal estamos sempre fazendo política e devemos ter essa ideia bem centrada para não ficarmos na eterna condição de “rebanho passivo”.

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