quarta-feira, 11 de maio de 2011

Literatura pop: relatos de perdedores e malditos


Trainspotting: literatura pop + cinema pop = radiografia dos anos 90


Um tipo de texto está popularizado na internet, em especial em blogs e que retrata com fidelidade o cotidiano da juventude atual. Esse novo formato de texto é conhecido como literatura pop. Um tipo de texto, onde ficam evidentes algumas características marcantes, tais como o pouco uso de técnicas de narrativa - como as necessárias nos romances mais densos - a presença constante de referências da cultura pop (daí a ligação com o termo) e o uso de prolixidade para as tramas que quase sempre estão centradas na figura do narrador. 

Essa nova literatura é muitas vezes acusada por críticos de ser tudo, menos literatura. Os detratores acusam o gênero, rotulando-o como uma literatura pobre e que se aplica com mais eficiência aos diários virtuais da internet.

Em contrapartida, os defensores reforçam a importância desse tipo de texto como a tradução da sociedade atual que está conectada e que vive sob intenso volume de informações. Por isso, vários autores buscam referências no passado para criar uma literatura que seja, no mínimo, a representação ideal do cotidiano desses tempos de pós-modernidade.

Uma influência reiterada por alguns desses novos escritores é a busca pela estética da literatura beat de autores como Charles Bukowski, Jonh Fante, William Burroughs e Jack Kerouac, entre outros. Os autores brasileiros dos anos 70, escritores conhecidos como “marginais da literatura”, gente como Paulo Leminski, Torquato Neto, Wally Salomão, Ana Cristina César, Cacaso, também são nomes recorrentes na produção literária atual, principalmente em poesia. Outro "papa" da produção literária com forte influências de cultura pop é o gaúcho Caio Fernando Abreu, hoje, um dos grandes nomes em termos de "epigrafes" em blogs e redes sociais, bem como um dos autores mais lidos pelas gerações atuais.

Caio Fernando Abreu: cada vez mais atual

Relatos à margem do convencional

Os críticos retrucam ao estilo “marginal” dos textos dizendo que a literatura beat parecia ser feita com desleixo, mas na verdade havia um profundo conhecimento de técnicas literárias. Outro fator “condenável” para a produção feita pela nova geração seria o abuso de temas relacionados à música, sexo e drogas. Tudo isso aliado a sempre presença de um relato na primeira pessoa, explorando digressões que beiram o uso confessional e nada mais, seria a justificativa para que se resumisse a produção em mero relato do cotidiano desses autores. Contudo, a própria beat generation tinha em sua produção tais características, que na época podem ser destacadas como uma forma de provocar no leitor a reflexão às turbulências sociais vividas em meio a um tempo de contestação. Influência ou não, os autores beat sabiam muito bem direcionar a sua proposta de vanguarda. Tinham bagagem literária e conhecimentos acerca de filosofias budistas, por exemplo. Era objetivo da literatura beat irromper com um novo estilo de escrita que refletisse os temores existenciais de quem fosse jovem nos anos 40 e 50 sob o clima de Guerra Fria, além de provocar a reflexão acerca de uma sociedade marcada pelos da Segunda Guerra Mundial.

Polêmicas à parte, são inegáveis os “marcos” que a literatura pop já rendeu às gerações da chamada pós-modernidade. Nos anos 90, o estilo popularizou-se na Inglaterra, assim como o Brit Pop de bandas como Oasis, Blur e Supergrass. Os livros Trainspotting, de Irvine Welsh e Alta Fidelidade, de Nick Hornby tornaram-se best-sellers da chamada Geração X. As obras fizeram tanto sucesso que ganharam versões para o cinema e obtiveram a mesma resposta de público, influenciando o trabalho de novos escritores.

No Brasil, a literatura de conteúdo pop já saiu da rede mundial e ganhou páginas e mais páginas. Daniel Pellizzari (Dedo negro com unha), Daniel Galera (Até o dia em que o cão morreu) e Clarah Averbuck (Máquina de Pinball e Vida de Gato) são alguns dos nomes do extinto e-zine Cardosonline que ficaram conhecidos nacionalmente pelos escritos pontuados de confissões apresentadas, muitas vezes com um humor ácido em ironia, como num diário escrachado acerca da realidade.

Clarah Averbuck: confissões de uma mente alterada pela cultura pop


A discussão é válida porque traz novas perspectivas para se entender a nova literatura do Brasil. O fato é que esses autores conseguem uma ampla resposta ao “dialogar” com as pessoas da mesma geração. Outro ponto positivo é que a ruptura e o choque sempre provocam novas reflexões para a arte. Se novas propostas ainda encontram resistência por parte da crítica ou da academia, por exemplo, é inegável que a posteridade trará ou não o verdadeiro julgamento a essas obras. No passado, a poesia concreta, a pop art de Warhol e até mesmo o punk rock foram depreciados recebendo a alcunha de “lixo” ou de arte menor. Atualmente, têm-se reconhecida a importância dessas manifestações para a cultura em geral.

Pop ou não, com influências da cultura marginal e da literatura beat, a busca por uma nova literatura é vital para manter a chama acessa de retratar o contexto em que vivemos. Se hoje caí por terra os relatos ideológicos do passado, é porque os tempos atuais são mais dionisíacos do que apolíneos.

O advento de uma literatura desenvolvida pela internet segue o mesmo caminho transgressor das manifestações da contracultura, até porque são evidentes as particularidades que fazem similar a contundência de um discurso alternativo com a posição menos utópica da atualidade.

O que é geração beat?

Geração Beat ficou conhecida a geração de escritores, poetas e artistas, em geral que formaram uma vanguarda artística da cultura norte-americana nos anos 50. O início do movimento está ligado ao grupo de escritores que desenvolveram uma produção artística que aliava o interesse pelo relato em êxtase da drogas, bem como de todas as formas de experiências pessoais e transcendentais.

Kerouac: o "maldito" que cunhou o termo beat generation

Cláudio Willer, aponta que o termo “beatnik” tem um sentido irônico e depreciativo, quando a imprensa rotulou a produção dos autores da geração beat. Isso, porque o termo beat estaria associado ao nome do primeiro satélite artificial, o Sputnik. O termo pegou e designou ao fenômeno coletivo que pegaria em cheio aos jovens do pós-Guerra e que serviria de base para o comportamento social da contracultura, movimento social em escala global que definiria novos conceitos e valores a partir da década de 60.

Texto editado do artigo "As novas faces da literatura" - 2006

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