História do Brasil: jornalista tenta desmistificar vultos e fatos históricos, mas acaba provocando apenas um discurso reacionário e conservador
Eu ganhei de presente de aniversário um livro sobre a história do Brasil escrita pelo jornalista Leandro Narloch. O livro tem o sugestivo título “Guia politicamente incorreto da história do Brasil”. Li a obra numa tarde, o que demonstra a qualidade do livro como literatura. É a típica obra em que a leitura vai numa tacada só, isso porque se trata de “causos” que envolvem nossa compreensão de Brasil e fascinam pelos argumentos e “teses” defendidas pelo jornalista, porém, nem todas as provocações de Narloch são eficientes em seu papel de pesquisa imparcial como “o outro lado da história brasileira”.
O livro é bem criativo no nome e com visual primoroso, cheio de ilustrações e com uma capa que remete a um “Sargent Peppers tupiniquim” com vários vultos da história e cultura nacional. A obra de Narloch tem o propósito de cutucar algumas idéias sacramentadas sobre heróis e heroísmos de nossa pátria mãe. Contudo, mesmo que o livro seja muito bem escrito - o que representa uma leitura de fácil entendimento, sem academicismos, além de estar guarnecido por uma profunda pesquisa - a sensação é de que o livro subliminarmente seria um tiro ideológico contra esse Brasil governado por “esquerdas” - acaba soando como uma obra bem humorada sobre a necessidade de desconstruir certos marcos e fatos históricos. Uma piada de humor negro, pois só assim se justifica a velha necessidade ideológica de dizer que a ditadura no Brasil não foi tão “nefasta” para o país.
Se o interesse era provocar a ira daqueles que aprenderam a historiografia politicamente incorreta com o guia, ele fracassou. Isso, porque não há como enfurecer qualquer cidadão com bom senso e sem ideologias partidárias que lê o livro como “outro lado da história”. O livro destaca sempre com algum tipo de ranço ou revanchismo uma visão de uma classe social que perdeu o bonde em algum verão da década de 70. Daí, Narloch, como aquelas “viúvas” do milagre econômico, se valeu da ação de jogar inúmeras citações e informações que provocam a confusão de mostrar, também ideologicamente, apenas um lado da história, algo que ele reitera foi o motivo de produzir um livro critico.
Exemplos? Vários. Quando ele fala que dezenas de gerações aprenderam que o Brasil imperialista destruiu, com ares de extermínio o Paraguai, ele se equivoca. Eu estudei Ospb e Moral e Cívica no final dos anos 80 e lembro muito bem o que se aprendia nas cartilhas: Solano López era um tirano sanguinário que teve o que mereceu. Logo, a tal versão clássica que ele contesta, é uma versão recente que há pouco está inscrita nos livros de história.
Quando ele destaca um capítulo inteiro sob o termo “comunistas”, a piada passa a ser hilária. Isso porque é só pesquisar as empresas que o nobre jornalista trabalhou, tais como a Editora Abril e, principalmente, a revista em que ele foi repórter, Veja, para entendermos o porquê de toda esse desejo de vingança em 37 páginas. É nesse espaço dedicado aos seres do mal, conhecidos como “comunistas” que notamos o mesmo discurso empregado pela Veja há quase dez anos.
Ora, ele defende que a repressão só existiu a partir de 1968 e isso porque os jovens “terroristas” assim desejaram por provocarem o caos social com seus espíritos malignos e vermelhos. Claro, na opinião de Narloch, tivemos um período de paz que vai de 1964 até 1968, nele o país viveu uma maravilhosa democracia militarizada, um paraíso tropical sustentado pela CIA em que centenas de prisões, banimentos, censuras e a transformação do pluripartidarismo em apenas duas opções políticas, a Arena e o MDB são exemplos da fina flor da democracia.
Mas Narloch vai além: quando ele aponta para o velho conceito de que houve o golpe de 1° de abril de 1964 porque o Brasil estava prestes a ser “invadido” por comunistas, num golpe articulado com os guerrilheiros de Cuba, temos a mesma justificativa para os 21 anos de militares no poder. No entanto, ele não fala do dinheiro jogado na América do Sul para que fosse patrocinado tal golpe, dinheiro advindo de uma política fascista dos EUA que empregava sua Doutrina de Segurança Nacional. Eram os tempos de Guerra Fria e o próprio golpe dentro do golpe que permitiu com o AI-5 os tempos de linha-dura foi um plano arquitetado por militares ávidos pelo poder total que tinham no apoio norte-americano a base para suas ações.
Como falei anteriormente: o livro é muito bom e passa a ser um guia para contextualizar diversos fatos históricos, mas, assim como a história que ele critica, a abordagem do autor também não deve ser levada como verdade absoluta, afinal mesmo que seja farto em documentação e fontes históricas, temos um livro com detalhes pinçados para legitimar uma posição parcial. Portanto, com a pretensão de fazer barulho, Narloch consegue oferecer informações históricas relevantes, também bons momentos de humor, mas nunca uma história geral, sem ideologias.
Espera-se que haja um novo guia, dessa vez desconstruindo outros mitos e heróis da política e cultura nacional. Seria interessante ver Narloch comentar sobre FHC posando como prefeito eleito de São Paulo em 1985 e depois perdendo o cargo para o “vassourinha” Jânio Quadros, num perfeito caso da velha arrogância política e cultural das elites “brazucas”, ou então abordar a posição da revista Veja na tentativa de desestabilizar o governo Lula, ato que soa ridículo para qualquer um que lê a publicação com o mínimo de senso crítico, tudo isso porque uma revista que se diz preocupada com a informação imparcial acaba soando como aqueles fanzines xerocados de fãs xiitas de grupos punk do começo da década de 80. Isso sem falar que há diversos vultos históricos que poderiam ser criticados pela escrita do autor, de militares a empresários de renome, passando por jornalistas metidos a donos da verdade.
Narloch conseguiu publicar um bom livro de humor. Agora, o jornalista sofre um fracasso retumbante quando deseja irritar quem gosta de imparcialidade. Ao defender uma história “não-marxista” ele produz uma história capitalista e também antidemocrática, não isenta de reacionarismos ideológicos, isso porque num livro feito por jornalistas é vital a idéia de que qualquer boa reportagem parte do principio de apresentar os dois lados de qualquer questão, o que não temos em “O Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”.
Eu ganhei de presente de aniversário um livro sobre a história do Brasil escrita pelo jornalista Leandro Narloch. O livro tem o sugestivo título “Guia politicamente incorreto da história do Brasil”. Li a obra numa tarde, o que demonstra a qualidade do livro como literatura. É a típica obra em que a leitura vai numa tacada só, isso porque se trata de “causos” que envolvem nossa compreensão de Brasil e fascinam pelos argumentos e “teses” defendidas pelo jornalista, porém, nem todas as provocações de Narloch são eficientes em seu papel de pesquisa imparcial como “o outro lado da história brasileira”.
O livro é bem criativo no nome e com visual primoroso, cheio de ilustrações e com uma capa que remete a um “Sargent Peppers tupiniquim” com vários vultos da história e cultura nacional. A obra de Narloch tem o propósito de cutucar algumas idéias sacramentadas sobre heróis e heroísmos de nossa pátria mãe. Contudo, mesmo que o livro seja muito bem escrito - o que representa uma leitura de fácil entendimento, sem academicismos, além de estar guarnecido por uma profunda pesquisa - a sensação é de que o livro subliminarmente seria um tiro ideológico contra esse Brasil governado por “esquerdas” - acaba soando como uma obra bem humorada sobre a necessidade de desconstruir certos marcos e fatos históricos. Uma piada de humor negro, pois só assim se justifica a velha necessidade ideológica de dizer que a ditadura no Brasil não foi tão “nefasta” para o país.
Se o interesse era provocar a ira daqueles que aprenderam a historiografia politicamente incorreta com o guia, ele fracassou. Isso, porque não há como enfurecer qualquer cidadão com bom senso e sem ideologias partidárias que lê o livro como “outro lado da história”. O livro destaca sempre com algum tipo de ranço ou revanchismo uma visão de uma classe social que perdeu o bonde em algum verão da década de 70. Daí, Narloch, como aquelas “viúvas” do milagre econômico, se valeu da ação de jogar inúmeras citações e informações que provocam a confusão de mostrar, também ideologicamente, apenas um lado da história, algo que ele reitera foi o motivo de produzir um livro critico.
Exemplos? Vários. Quando ele fala que dezenas de gerações aprenderam que o Brasil imperialista destruiu, com ares de extermínio o Paraguai, ele se equivoca. Eu estudei Ospb e Moral e Cívica no final dos anos 80 e lembro muito bem o que se aprendia nas cartilhas: Solano López era um tirano sanguinário que teve o que mereceu. Logo, a tal versão clássica que ele contesta, é uma versão recente que há pouco está inscrita nos livros de história.
Quando ele destaca um capítulo inteiro sob o termo “comunistas”, a piada passa a ser hilária. Isso porque é só pesquisar as empresas que o nobre jornalista trabalhou, tais como a Editora Abril e, principalmente, a revista em que ele foi repórter, Veja, para entendermos o porquê de toda esse desejo de vingança em 37 páginas. É nesse espaço dedicado aos seres do mal, conhecidos como “comunistas” que notamos o mesmo discurso empregado pela Veja há quase dez anos.
Ora, ele defende que a repressão só existiu a partir de 1968 e isso porque os jovens “terroristas” assim desejaram por provocarem o caos social com seus espíritos malignos e vermelhos. Claro, na opinião de Narloch, tivemos um período de paz que vai de 1964 até 1968, nele o país viveu uma maravilhosa democracia militarizada, um paraíso tropical sustentado pela CIA em que centenas de prisões, banimentos, censuras e a transformação do pluripartidarismo em apenas duas opções políticas, a Arena e o MDB são exemplos da fina flor da democracia.
Mas Narloch vai além: quando ele aponta para o velho conceito de que houve o golpe de 1° de abril de 1964 porque o Brasil estava prestes a ser “invadido” por comunistas, num golpe articulado com os guerrilheiros de Cuba, temos a mesma justificativa para os 21 anos de militares no poder. No entanto, ele não fala do dinheiro jogado na América do Sul para que fosse patrocinado tal golpe, dinheiro advindo de uma política fascista dos EUA que empregava sua Doutrina de Segurança Nacional. Eram os tempos de Guerra Fria e o próprio golpe dentro do golpe que permitiu com o AI-5 os tempos de linha-dura foi um plano arquitetado por militares ávidos pelo poder total que tinham no apoio norte-americano a base para suas ações.
Como falei anteriormente: o livro é muito bom e passa a ser um guia para contextualizar diversos fatos históricos, mas, assim como a história que ele critica, a abordagem do autor também não deve ser levada como verdade absoluta, afinal mesmo que seja farto em documentação e fontes históricas, temos um livro com detalhes pinçados para legitimar uma posição parcial. Portanto, com a pretensão de fazer barulho, Narloch consegue oferecer informações históricas relevantes, também bons momentos de humor, mas nunca uma história geral, sem ideologias.
Espera-se que haja um novo guia, dessa vez desconstruindo outros mitos e heróis da política e cultura nacional. Seria interessante ver Narloch comentar sobre FHC posando como prefeito eleito de São Paulo em 1985 e depois perdendo o cargo para o “vassourinha” Jânio Quadros, num perfeito caso da velha arrogância política e cultural das elites “brazucas”, ou então abordar a posição da revista Veja na tentativa de desestabilizar o governo Lula, ato que soa ridículo para qualquer um que lê a publicação com o mínimo de senso crítico, tudo isso porque uma revista que se diz preocupada com a informação imparcial acaba soando como aqueles fanzines xerocados de fãs xiitas de grupos punk do começo da década de 80. Isso sem falar que há diversos vultos históricos que poderiam ser criticados pela escrita do autor, de militares a empresários de renome, passando por jornalistas metidos a donos da verdade.
Narloch conseguiu publicar um bom livro de humor. Agora, o jornalista sofre um fracasso retumbante quando deseja irritar quem gosta de imparcialidade. Ao defender uma história “não-marxista” ele produz uma história capitalista e também antidemocrática, não isenta de reacionarismos ideológicos, isso porque num livro feito por jornalistas é vital a idéia de que qualquer boa reportagem parte do principio de apresentar os dois lados de qualquer questão, o que não temos em “O Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário