sexta-feira, 29 de abril de 2011

Warhol e o cinema: arte ou lixo?




Para entender o cinema como atividade de experimentação com legado e influência direta para as produções atuais e, conseqüentemente, para o surgimento das inovações visuais que são testadas em videoclipes, por exemplo, é importante ressaltar a obra cinematográfica do artista plástico Andy Warhol.
Nos anos 60, Warhol já era conhecido pelo visual excêntrico de dândi entediado, bem como por suas obras de pop art como a famosa sopa de lata da Campbells. Outra marca do artista era a reprodução em cores saturadas de retratos de celebridades como Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor e Elvis Presley. Warhol ambicionava questionar o “valor” e a estética das artes plásticas.




O começo do artista foi na publicidade, onde ganhou fama. Depois passou a se diferenciar de outros pares da vanguarda americana ao ter como base em seu trabalho a abordagem cínica em relação ao consumismo americano. Por isso, Warhol desenvolveu uma idéia de “industrialização” da arte como forma para romper com os padrões estilísticos do gênero. Isso possibilitava, segundo ele, trazer novos conceitos para a produção artística elevando o kitsh da cultura de massa como produto de arte.
Uma das principais características de sua criação na década da contracultura dos anos 60 foi reunir diferentes formas de expressão em um único conceito. De certa forma, inovou ao criar eventos multimídia, isso muitos “anos luz” da profusão da Internet. Criações como o Exploding Plastic Inevitable (happening com diferentes manifestações artísticas unidas em uma proposta radical de comunicação marginal), são a gênese da idéia da cultura multimídia com pretensões de arte pop.

Andy e o Velvet Underground


O evento era a união de teatro, poesia, música, exposição de obras de arte e cinema.  Apadrinhando o grupo Velvet Underground, liderado por Lou Reed, a banda fazia a apresentação musical do Exploding com cenas de filmes de Warhol sendo projetadas sobre o fundo do palco. Vendo o sucesso da beatlemania e do rock como linguagem cultural da juventude, Warhol não tardou em se aproveitar da cultura do rock como forma de arte. Ao dar a “alma” que o grupo necessitava - leia-se a estética suja e obscura das canções, com letras provocadoras que abordavam temas pesados como drogas e sadomasoquismo -  ele estava colocando em evidência um rock que seria tão influente quanto o dos Beatles. Hoje, passados mais de 40 anos, fica comprovado em gêneros e tribos surgidas como os punks, góticos, darks, clubbers, entre outros.
No entanto, a ousadia maior de Warhol surgiu no cinema. Experimental como poucos, ele conseguiu subverter o cinema realista feito na França e Itália, chegando numa ruptura total desses elementos em voga naquele período. Em termos de cinema de vanguarda, ele filmou com devoção o universo fútil e vicioso das pessoas que o rodeavam (artistas plásticos, modelos, atores e celebridades), como também procurou destruir com todos os conceitos e mitos ligados à sétima arte, como aponta o jornalista Antonio Querina Neto.

[...] com seus diálogos inconseqüentes, sua proposital esterilidade de narrativa e outros “defeitos” deliberados (granulação elevada, buracos, pedaços queimados, misturas de sons de fora e de dentro do campo de visão) é uma afronta divertidíssima (como tudo que ele fez) aos cânones da arte convencional. [1]

A filmografia do artista plástico é um exemplo disso: do tedioso voyeurismo silencioso de filmes como Empire (1964) onde Warhol filma por oito horas o 44° andar do Empire State Bulding a closes abusivos em seqüências lentas e enfadonhas de beijos como em Kiss (1963) ou nas “caras e bocas” de um jovem supostamente recebendo sexo oral em Blow Job (1963). Isso sem falar nos filmes com roteiros absurdos como Space (1965) que desestrutura com o conceito de “interpretação” ao mostrar atores lendo cartões que lhes indicam o que devem fazer.
A ousadia do diretor durou até 1967 quando já dividia o cargo de diretor com Paul Morrisey. Depois dessas obras, os filmes do artista passam a contar com um formato mais tradicional e linear, almejando um retorno mais comercial. O próprio Warhol, após sofrer uma tentativa de homicídio pela ex-atriz de seus filmes Valerie Solanas, em 1968, deixou o lado provocador de sua arte e participou de forma ativa do “star system americano”. Um exemplo é a revista Interview, em que ele mitificava celebridades, nada que uma Caras da vida não faça.

Andy no set de filmagem


 Contudo, a experiência cinematográfica de Warhol foi tão impactante e influenciadora como suas obras em outras áreas mídiáticas. O caráter transgressor, tal a desconstrução dos paradigmas do cinema em seus curtas e longas, podem ser considerados como genitores da estética de “televisão de videoclipe” da MTV, a partir do início dos anos 80. 



Basta conferir a não linearidade e os aspectos surreais das vinhetas da emissora. Outra influência percebida nos dias atual é a expansão de produções amadoras que se proliferam como vírus no site de compartilhamento de vídeos You Tube. Ali pululam obras em diferentes formatos e gêneros, mas todas com a idéia fixa de filmar o banal do cotidiano, passando assim a “endeusar” o fugaz através das câmeras e de outros utensílios advindos do acesso irrestrito à tecnologia. 
O que se vê em Warhol e nos “filmezinhos” amadores na Internet é o mesmo ideal: romper com a convenção tradicional do cinema clássico, promovendo o universo que há ao redor do “diretor”. Essa relação ocorre com o voyeurismo de quem assiste aos vídeos, que é o mesmo de quem capta a realidade através de uma câmera, máquina digital e até mesmo de telefones celulares. Portanto há uma quebra de paradigmas, afinal Warhol propõe que qualquer um é um emissor de informação e que a “hierarquia” desta produção de sentido está alterada, nada mais verdadeiro do que a relação atual do homem com a internet.



            Assim, Warhol e o You Tube, por exemplo, provocam o mesmo questionamento ao testar limites do que é concebido e institucionalizado como “arte”: É cinema um filme que apenas capta a imagem de um arranha-céu em uma grande cidade? É cinema uma produção amadora feita com um celular tendo mais acesso ao público do que um longa comercial?


[1] Neto, Antonio Querina, “O Papa do Pop”, Revista Set, pág. 60.

 Listagem de filmes de Warhol

*Filmografia alternativa ou...

“Aqueles que andavam com o Andy eram todos uns idiotas drogados”, afirma Paul Morrissey que dirigiu todos estes filmes, “fiz os filmes para mostrar como eram estúpidos”. 
Sleep. 1963.

Mostra, em seis horas de duração, John Giorno, amigo de Warhol simplesmente dormindo... nas recentes exibições mantém a projeção a 16 quadros por segundo e são exibidos "apenas" 42 minutos de filme, que já é um delírio. Estética de Andy Warhol de que o olhar implacável da câmera pode romper comportamentos normais e forçar uma resposta específica;


Blow Job, 1963, 35 minutos, silencioso (o registro de um ato de sexo oral em que se vê apenas o primeiro plano de um jovem ator anônimo).

Kiss, 1963. com Baby Jane Holzer e Gerarde Malanga: dois dos novos superastros criados por Warhol mostra quase uma dúzia de pessoas, numa sucessão de beijos que dura 58 minutos.

Haircut, 1963.

Eat, 1963. 39 minutos silencioso (o ator e artista plástico Robert Indiana come meticulosamente um cogumelo frente à câmara, evocando retratos de santos feitos pelos pintores flamengos no século 15).

Empire, em 1964, warhol filma oito horas de um quadro parado do empire state building ele queria mostrar a "vida sob o olhar de um defunto".


Tarzan and Jane regained ... sort of, 1964

Dance movie/roller skate, 1964

Batman Dracula, 1964

Salome and Delilah, 1964

Soap opera, 1964 (co-dir.)

Couch 1964

13 most beautiful women, 1964

Harlot, 1964 "O grande filme, insuperável da carreira de Mario Montez, foi 'Harlot' de Warhol, em que ele faz uma loura (que seria uma fusão de Harlow e Marilyn; ‘harlot’ vem de Harlow) travestida, de luvas brancas, que come bananas todo o tempo, devagar, descascando-as de luvas brancas, num sofá claro que isso é uma descrição bem careta, que não é tudo; a última banana é enfiada no cu pela própria; Warhol fez 'harlot' em 1964, e se situa na sua obra como uma transição da fase de 'eat', 'sleep', 'Kiss', para a que culminaria com 'the chelsea girls'; vou lhe enviar um novo livro que saiu: Vida e sexo de Andy Warhol”. Trecho de carta de Hélio Oiticica para Torquato Neto, 18 jun. / 1971.

'The life of Juanita Castro' de 1965. 65 minutos, sonoro
(Sátira a Fidel, seu irmão Raul e Che Guevara são interpretados por mulheres).


Poor little rich girl, 1965

Screen test, 1965

Vinyl, 1965

Beauty #2, 1965

Horse, 1965

My hustler, 1965

Camp, 1965

Afternoon, 1965

Suicide, 1965

Drunk, 1965

Bitch, 1965

Prison, 1965

Space, 1965

The Closet, 1965

Henry Geldzahler, de 1965. 90 minutos, silencioso (o curador de arte nova-iorquino fuma um interminável charuto).


Taylor Mead's ass' (1965).


Face, 1966

Outer and inner space, 1966

The 14-year old girl/hedy/hedy the shoplifter, 1966

More milk Yvette/Lana Turner, 1966

The Velvet Underground and Nico, 1966

Kitchen, 1966

Lupe, 1966

Chelsea girls, de 1966, 210 minutos, sonoro
(Nova-iorquinos drogados e ensimesmados, viajando em seu próprio mundo, enquanto os Estados Unidos lutavam no Vietnã)

I'm a man, 1967

Bike boy, 1967

Nude restaurant, 1967

****/four stars/24-hour movie, 1967

The loves of Ondine, 1968

Flesh (1968 - produtor) ano da "aposentadoria" de Andy Warhol como cineasta underground neste ano, o artista sobreviveu a um atentado praticado pela feminista Valerie Solanas, que lhe desferiu três tiros foi assim que ela, que mantinha uma tempestuosa relação de amizade com Warhol, paradoxalmente garantiu seus 15 minutos de fama sua história virou o filme: "Um tiro para Andy Warhol" ("I shot Andy Warhol", Estados Unidos, 1996), longa de estréia de Mary Harron.

Lonesome cowboys, 1968

Blue movie/fuck, 1969


Trash, 1970 (producer)

Heat, 1972 (producer)

Women in revolt, 1972 (co.dir. with Paul Morrisey)

L'amour, 1973 (co.dir. and co-script with Morrisey)

Andy Warhol's Frankenstein/Flesh for Frankenstein, 1974 (producer).

Andy Warhol's Dracula/Blood for Dracula, 1974 (producer).

Underground and emigrants, 1976 (actor)

Andy Warhol's bad, 1977 (producer)

An unmarried woman, 1978 (art collab.)

Cocaine cowboys, 1979 (actor)

The Look, 1985 (actor)

Vamp, 1986 (contrib. art)

Superstar: The Life and Times of Andy Warhol, 1991 (documentary)

*Compilado e escrito por Mário Pacheco -
 
http://www.dopropriobolso.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=576:andy-warhol-uma-galeria-de-cineastas-underground&catid=51:cinema&Itemid=54

terça-feira, 26 de abril de 2011

Memórias de um tempo (ainda) de vanguarda: essa tal de marginália

Uma das últimas manifestações da cultura brasileira que irrompeu nos anos de chumbo – a poesia marginal – merece destaque por ser proveniente de um período histórico único em nosso território e por fazer uma espécie de “diálogo” com a prosa urbana das grandes metrópoles, mais que isso: buscou retirar a poeira acadêmica dos versos e tentou populariza-la com a linguagem musical da mesma música brasileira, que sentia as mudanças causadas pelo tropicalismo no ano de 1968.
O termo marginal se referia aos artistas à margem das editoras nacionais naqueles idos de ilusão provocada pelo “milagre brasileiro”. Arma vital contra a repressão ditatorial empregada com maior veemência pelo governo Médici (1969-1974), ela, a poesia, seguiria o percurso de contestação e deboche visto, principalmente, nos jornais nanicos ou também intitulados “jornais da imprensa marginal”.
Ser marginal naqueles idos era estar contra a corrente ufanista que exaltava as garantias de consumo conquistadas pela classe média e elite brasileira. Mais: era a possibilidade de trazer, com alguns anos de atraso, o discurso libertário e utópico da contracultura americana para os trópicos tupiniquins. Os desvairados que tentavam enfrentar com arte e cultura a repressão violenta da ditadura militar, muitas vezes eram denominados “desbundados” – assim como os jovens que não aderiram a luta armada como o público universitário que integrou grupos de guerrilha armada no final dos anos 60 e durante a década de 70.

Waly Salomão: o poeta pós-tropicalista que traduziu a consciência hippie tupiniquim


A ruptura tropical para a arte institucionalizada

Se os “cabeludos alienados”, como eram vistos pela parcela da juventude intelectualizada que aderia à luta armada, ganharam uma pecha de desbundados por quererem apenas curtir a vida e se entregar ao amor livre - bem como às drogas alucinógenas como maconha, LSD, chá de cogumelo e mescalina, e uma volta para o campo em comunidades rurais - eram a resposta daqueles que tiveram a sensibilidade para notar que não havia como responder com uma revolução armada à ditadura. 
Na primeira metade da década de 70, o governo havia praticamente extinguido toda e qualquer reação política civil. O bipartidarismo não atendia as reivindicações da sociedade, visto que o partido do governo, a Arena, era mais forte e a própria oposição, o MDB ganharia força apenas em 1974. Portanto, nos anos do governo Médici a violência estatal totalitária amordaçava a sociedade de forma radical com censura, prisões, cassações e assassinatos. A última tentativa civil de produzir uma guerrilha revolucionária foi exterminada em três anos de combate na região do Araguaia. Os poucos sobreviventes traziam as marcas e a certeza de que não haveria como vencer um governo que detinha apoio de grande parte da população, afinal a “realidade” vendida pelos meios de comunicação mostrava um país em franco e acelerado processo de progresso econômico. 
O milagre econômico atendia os desejos da classe média que podia usar de seu poder de compra para consumir os símbolos modernos de status, tais como aparelhos eletrodomésticos e carros de luxo. A publicidade evocava uma nação segura e ordeira cuja população gozava da alienação produzida pela indústria cultural que ganhava espaço no país. Num cenário de escuridão como o da década de 70 apenas a arte poderia ser usada como resistência e salvação. Contudo, como os artistas preocupados com a realidade brasileira poderiam expressar seu descontentamento se não havia espaços para divulgação, bem como uma censura sanguinária castrava qualquer ato criativo que usasse a liberdade de expressão como arma?


Slogan ufanista do período ditatorial
Só quem buscasse os espaços à margem e tivesse como lema a comunicação como instrumento revolucionário poderia ganhar territórios para expressar sua revolta contra o sistema que padronizava tudo, até mesmo a contracultura que logo virou utensílios de moda para a juventude.
Mas a visão distorcida sobre a contracultura e suas manifestações na arte brasileira é conseqüência direta de um pensamento acadêmico que ficou preso aos baluartes do modernismo. Se as criações do concretismo, por exemplo, eram vistas como um absurdo estético, a poesia marginal, que nasce duas décadas depois, e que almeja romper com o lirismo e o verso, bem como toda forma de engajamento, afinal descreve e explicita, por sua vez, a própria alienação social instalada pela ditadura e os meios de comunicação de massa, é, ela própria, subversiva política e artisticamente revolucionária. Ao criticar todo e qualquer interesse acadêmico em propor uma militância também nas artes, a marginalia das canções de Jards Macalé, Walter Franco, do cinema de Julio Bressane, Rogério Sganzerla e Ivan Cardoso, bem como a poesia de nomes como Torquato Neto, Walli Salomão, Paulo Leminski, Chacal, Ana Cristina César, se tornou um instrumento de guerrilha cultural que ousava desestruturar as amarras e limites impostos pela arte institucionalizada. O que o tropicalismo almejou nos idos de 1967-68, foi aos poucos “deglutido” como arte popular e aceito até mesmo pelos críticos de primeira hora, que no passado viam o movimento como um recurso do imperialismo americano para alienar os jovens que preferiam o tropicalismo a uma música de raízes brasileiras e de cunho ideológico.
Em 1971, a própria tropicália já era um movimento ultrapassado para alguns nomes egressos do movimento, tais como, Torquato Neto que exigiam uma nova proposta estética que fosse além das aberturas propostas originalmente pelo movimento. O cinema novo que era uma força artística da segunda metade da década de 60 e dialogava com o tropicalismo, era considerado um movimento fadado ao fracasso como força propulsora de uma conscientização social. A grande acusação era de que os filmes produzidos pelo cinema novo e que criticavam o governo recebiam apoio da Embrafilme.
          Nesse período, começo dos anos 70, a comunicação de massa, que começava a despontar no Brasil com a crescente popularização de aparelhos de televisão e, a própria utilização da mídia pelo regime militar para propagar uma propaganda ufanista – justificados como  “força integradora” da Nação -  serviu para o contato da sociedade intelectualizada com os mecanismos de divulgação da indústria cultural. Motivado por essa nova condição, o movimento tropicalista irá se beneficiar das próprias diretrizes que se alinhavam no cenário cultural do Brasil, “despertando” outras áreas da cultura como a imprensa alternativa a se posicionar frente aos padrões estabelecidos naquele período de ditadura militar.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Pasquim - "O Jornal !"



Pasquim: A revolução no jornalismo brasileiro (texto orginalmente publicado no jornal Minuano - 2006)


Nestes dias de espetacularização da corrupção e a política nacional servindo de “picadeiro” para políticos, falta à população um veículo de informação que busque ...


...através de um humor “anárquico” contextualizar e criticar o que está ocorrendo em nossa pátria de “chuteiras” (até na grande alegria do povo a corrupção deu mostra de sua força no campeonato brasileiro do ano passado)e é justamente nessas horas que lembramos com saudades do velho Pasquim.

Se Deus é brasileiro e se esse é o país do futuro, ou se esse não é um país sério, como afirmava o general francês De Gaulle, pouco importa! Todas as máximas ditas e reeditas serviam de piada para o Pasquim, que continha aliada à informação, um humor ferino e sagaz, daqueles que colocava o dedo na ferida sem medo de criar polêmica ou inimigos.

Lançado em 26 de julho de 1969, pelo jornalista gaúcho Tarso de Castro, o jornal seria uma das grandes forças contra a repressão política da ditadura militar nos anos 70.

Com uma tiragem inicial de 20 mil cópias (o jornal chegaria na metade da década de 70 a 200 mil cópias), o Pasquim era inovador em se tratando da imprensa da época, pois falava de assuntos até então tabus para o Brasil daqueles tempos, como divórcio, sexo, drogas, aborto, feminismo, etc. Formado por uma das melhores equipes jornalísticas da história da imprensa nacional, o Pasquim revolucionou o jornalismo brasileiro, imprimindo como marca principal, textos ousados e inteligentes, matérias alternativas e espaços para um humor ácido em sua crítica social.

Em plena era de repressão militar o Pasquim foi uma das vozes contra a ditadura. Um exemplo dessa força foi a prisão de todos os jornalistas do veículo em 1970. O governo que almejava terminar com o jornal, não imaginava que vários artistas e intelectuais se reunissem e mantivessem o jornal funcionando como colaboradores, entre eles estavam: Chico Buarque,Glauber Rocha, Norma Bengell, entre outros artistas e intelectuais.


O “Dream Team” do jornalismo nacional

Qualquer jornal gostaria de ter uma redação com a patota de jornalistas, artistas e intelectuais como a do Pasquim, afinal as mentes e expressões mais inteligentes e ousadas naqueles "anos de chumbo", escreviam para o jornal. Gente como: Tarso de Castro, Paulo Francis, Jaguar, Millôr Fernandes, Paulo Garcez, Sérgio Cabral, Luiz Carlos Maciel, Fortuna, e depois colaboradores de primeira como: Henfil, Ziraldo, Tárik de Souza, Ruy Castro, Fausto Wolff, entre muitos outros.

Por isso não tinha como o Pasquim não ser aclamado como ícone de um tempo, influenciando vários jornais alternativos, os chamados jornais nanicos, nas décadas seguintes, publicações que auxiliaram na crítica política e social principalmente no período de abertura e das Diretas Já em 1984.


O Fim do Pasquim

A grande força do jornal vinha de sua postura de crítico da realidade social daquele período de ditadura, pois nos anos 80 o jornal, que tinha uma excelente tiragem, começava a perder espaços para outros veículos de comunicação.

A queda nas vendagens foi tão intensa que na década de 80 o jornal já não despertava o mesmo interesse dos anos anteriores, perdendo espaço pra revistas como a do Chiclete com Banana, entre outras publicações.

O Pasquim encerrava sua história em 11 de fevereiro de 1991. Da equipe original só restara o desenhista Jaguar.

Tentando recuperar a magia dos velhos tempos, Ziraldo, em 2001, banca o relançamento do Pasquim, agora com o nome de Pasquim 21. O jornal volta a contar com bons jornalistas, e alguns antigos colaboradores, porém não conseguiu obter a mesma química dos velhos tempos, acabando definitivamente em 2004.

Henfil e o retrato em desenho dos brasileiros


Uma das grandes “cabeças” do Pasquim foi o cartunista Henrique de Souza Filho, o Henfil.

Nascido em 5 de fevereiro de 1944 e tendo falecido em 4 de janeiro de 1988, Henfil foi um dos grandes cartunistas e desenhistas do Brasil.

Após desistir do curso de sociologia e de ter participado de alguns jornais mineiros, vai para o Rio de Janeiro no final dos anos 60, quando começa a trabalhar para revistas como Realidade, Placar, Visão e o Cruzeiro. Em 1969 entra para o Pasquim e para o Jornal do Brasil obtendo grande destaque com personagens como Fradinhos, Zeferino e Graúna.

Dono de um estilo anárquico e altamente crítico, Henfil foi um daqueles gênios da raça que partem cedo deixando um imenso legado para a arte e a cultura de seu país.


Também foi jornalista e escritor, publicando livros e peças.

Um de seus livros mais interessante é o Diário de um Cucaracha (1977) que aborda o período em que Henfil exilou-se nos EUA para fugir da ditadura, lançar-se no mercado de quadrinhos do exterior e tratar a hemofilia (tanto ele quanto o irmão, o sociólogo Herbert de Sousa, o Betinho, contraíram AIDS após uma transfusão de sangue nos anos 80), descobrindo, “na pele”, o preconceito dos americanos para com os latinos.

Henfil passou três anos nos Estados Unidos e teve seus desenhos publicados apenas em revistas underground, pois os grandes jornais achavam seus cartoons “dementes”.

O livro é um achado e mostra bem o que resta aos “Cucarachas” (baratas) latino-americanos que se aventuram nos EUA: subemprego, crime, exploração e preconceito.

O livro pode ser encontrado em sebos e nas Bibliotecas da Urcamp e Dr Otávio Santos.

Outras Obras de Henfil
Hiroxima meu Amor, 1976.
Fradim de Libertação, 1984.
Dez em Humor, 1983.
Diretas Já, 1984.


Para saber mais:

Tarso de Castro: 75 kg de músculos e fúria, de Tom Cardoso. Editora Planeta, 280 páginas. Valor: R$ 37,50.


Tendo como título a frase de abertura dos textos que Tarso de Castro (1941-1991), publicava. O livro do jornalista Tom Cardoso é uma boa oportunidade para as novas gerações conhecerem um pouco sobre o jornalista gaúcho (natural de Passo Fundo) que fundou o Pasquim e viveu uma vida polêmica.

Conhecido pelo texto ácido e por suas polêmicas criadas, Castro misturava várias lendas criadas sobre a sua figura, com a habilidade ímpar de cultivar inimizades, como a que criou após sair do Pasquim com seu ex-colega de jornal Millôr Fernandes, nas palavras de Castro, um homem corroído pela inveja e pelo poder.

Boêmio de plantão e amigo de “feras” como Glauber Rocha, Vinicius de Moraes, etc, Tarso de Castro era de um tempo em que fazer jornalismo era gerar discussão e revolucionar através da palavra, enfim: bons e velhos tempos!

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O verdadeiro “blue lamento” de Lígia






Fechei o livro. Liguei a tevê e pensei no que poderia ser feito para aquela noite mudar. Pensei no fim do mundo que virá tão cedo nas minhas crenças, que perdi as esperanças de encontrar uma amada que ame amar até morrer. Era melhor ficar quietando a língua e esperar por um novo pensamento que traduzisse toda a apatia e conformismo habitual, o mesmo que estupra qualquer forma de criatividade e faz com que a maior vitória humana seja praticar masturbações no escuro do quarto.

Que se dane a obrigatoriedade da segurança! O mundo é tomado de armadilhas, mil trilhas para o destino, para que no fundo apenas ele, possa se destinar sozinho, sempre com a sua escolha e livre arbítrio. Uma vida selvagem e primitiva, com nascimento, com entorpecimento, com envelhecimento e morte, espera sempre romper as entranhas da mediocridade.

Então, se eu reclamasse agora, no mínimo traria um pranto vulgar e bem poético com rimas e estrofes delineadas pelas normas acadêmicas. Mas não posso contar decassílabo quando a porra do mundo está agonizando lá fora! Só o que posso fazer é pular na fogueira e arder também. Não posso falar nem isto, nem aquilo, sem que minha voz não esteja muda. Seja pela vulgaridade da pompa e das medalhas que ditam os homens verdadeiros ou pela certeza dúbia e paradoxal que faz com que estupradores, homicidas, paranóicos e corruptores sejam idolatrados por verdadeiras latrinas ambulantes.

Por isso dispenso ídolos neste momento... Queimem todas as glórias em um velho cinzeiro.
Quando eu morrer deixarei na terra apenas palavras, que unidas ventarão como pétalas e folhas de outono, sem nunca estancarem.











2

Um cheiro de morte toma conta da memória e ela sussurra arrependimentos para aqueles velhos senhores que ficam espalhando pedaços de dor para os pombos. Ela passa por entre os ciprestes com uma leveza estranha. É a moça bonita sem namorado que caminha devagar pela praça da cidade.

Ela é a menina de olhar perdido que dá risadas engraçadas e que pensa no futuro sempre pela perspectiva da lógica, como se tudo pudesse ser dois mais dois. Ela é do final dos anos oitenta e nunca soube o que era amor de novela, mas sabe como poucas, esperar por um amor cheio de lirismo de bar.

Ela é a menina que fala baixinho e faz com que todas as coisas sejam diminutas para o brilho daquele sorriso.
O mundo não tem vez para aquela menina. Sem sonhos, planos, desejos ou beijos assaltados, nada impede a tristeza neste mundo quando ela suspira que ninguém lhe quer amar.

Ela colhe o por do sol no quarto sempre com as janelas abertas, esperando um verso, ela só quer um verso que um dia seja dito. Ela sempre adormece com os olhos negros.


Alguns preferem fechar os olhos e cantar balançando os braços. Outros acendem cigarros e desenham borboletas de fogo pela escuridão. Mas os tímidos sempre têm o medo de acordar. Esperam que um dia o próprio tempo canse de esperar nessa paz tão absurda e violenta, que acalma pelos cantos aqueles medrosos não suicidas.

Em círculos, os amantes jazem pelo salão, escutando um sax adormecer os corações enlutados. Em algum desespero escrito em portas de banheiro, ficaram as juras de mil mortos.

Os amantes embriagados sempre tomam conta das avenidas cobertas por árvores e, nelas vigias absortos, deixam um recado que vem e vai às gotas de lágrimas ou chuvas de janeiro.

Ela diz que o ama pela vida toda e ele responde: “Amor, não te deixarei até o próximo carnaval...”.

Palavras sempre são ditas na intenção de esconder alguma violência física que jamais seria permitida.

Dois corpos dividem a dor em cada parte por serem amantes. Viciados sempre afirmam um falso “nunca mais”, mas logo retornam à ilusão como crianças com anseio de serem reis e rainhas de algum reino escondido em uma terra do nunca.











3

Na tevê, um Romeu gordo passeia a vista pelas candidatas ao amor verdadeiro em um programa dominical.

À venda na parada de sucessos um arrependimento cheio de clichês e um coração safenado também esperam sua chance de fazer promessas... Tantas corroídas por mentiras.

E com receio, bate à porta, um estranho com postais de um ano novo que nunca chegou. E ele pensa que seu corpo prefere à sombra, a uma luz não fecunda.

Sua rainha está bem longe, nem as estrelas ele pode alcançar, ele pensa. E com o sereno da noite toda a vigília passa brilhosa, são tantas e tão lindas que parecem sair de um desenho de beleza arquitetônica, mas sempre elas passam e desviam o rosto. Engendram um estranho jogo, para morrerem sozinhas no banheiro, esperando, esperando, esperando que você chegue e fale um verso, algo que pareça com um sonho desenhado.

“Não terás meu amor, se continuares em silêncio!”, diz a Madona de vidro e maquiagem. Uma oferenda ao medo que apossa as almas... Uma puta tão inocente, que feitiço nenhum dobraria aquela valentia de ser uma mulher da rosa mais vermelha que jamais teria a tinta coagulada.

"Tudo bem assim, sempre culpará um amor desfeito em um blue lamento naquele tempo que nunca foi o nosso tempo", diz a mulher que tanto amor me deu.

Melhor desligar a tevê e encher a cara com “vida ao vivo”. Todas bem bonitas e pútridas tomadas de rotinas adulteradas por vícios baratos. Era o bar minha única saída.


 








4

Ela dança um blue. Ela sempre faz isso quando ninguém pensa em dar alguma olhada. Talvez, seja só uma ferida no coração que logo vai passar, pensa o Léo. “Grande coisa! Todo mundo se diverte com a decadência alheia”.

Na mente deteriorada da menina, ela se acha uma deusa indiana com todos aqueles braços saindo do corpo branco e esguio.

Ainda não sei o seu nome, mas poderia lhe dar um nome qualquer. As pessoas precisam de nomes hoje em dia. “Que tal Josefina?”, pensei na hora. Nome histórico... Ah! enfadonho. Eu sempre pensei que certos nomes dependem dos períodos históricos. Ela tinha cara de Sara, talvez Dulce.

Descobri mais tarde que era um nome comum, desses que se escolhe na falta de opções, ou por desamor ao filho que virá ao mundo. O nome dela era Lígia. De fato era forte. Soube que era Lígia quando ela tentou se pelar na frente de todos. Estava em cima da mesa e dançava para si mesma uma canção de Dylan, com aquele sorriso embriagado, forte e vil. Na sorte de ver a futura mulher da minha vida, eu pedi outra cerveja. No fundo, deveria arrastar a curiosidade para algum canto e apenas sonhar com a tal Lígia. Nome curto. Era que nem ela, uma pequena morena de pele tão clara que nas trevas podia se enxergar aqueles ossos, aquela cintura, e os seios pequenos.

Lígia foi presa à força na cadeira pelos amigos. Ficou lá, com cara de dopada, pedindo para que todos dessem as mãos e cantassem algo dos Beatles. Ela, no íntimo, sentia-se em 1967. Tudo bem, eu aceitaria qualquer momento histórico ao seu lado. Estava caído platonicamente por uma viciada em drogas, tão esquelética que parecia que as garrafas vazias seriam mais forte que os seus ossos cruzados. Não tinha medo e colocava a língua para fora desejando que todos se fodessem com seus manuais de boa educação.
Lígia seria por tempos e mais tempos a dona dos pensamentos, povoando minha imaginação, sendo minha única musa.


 




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Ela gostava de sentir-se como uma musa. Para sempre seria uma gardênia se jamais descesse ao plano dos mortais, ou daquela mesa de madeira vagabunda e já molhada de tanto trago.

Ela pedia para ir ao banheiro. Queria esquecer do fiasco, se trancar um pouco e arranhar a pele. Após, toda a febre e, mais músicas tocadas por um infeliz cantor de reggae, ela voltava ainda mais deprimida.

Nos dias de céu escuro ela pede amor, ela pede uma voz rouca, que rompa o céu e traga o sol.

As janelas estão sem cadeados e as mãos unidas selando uma felicidade antes tão rejeitada.

Ela quer que alguém lhe dê amor além do que o seu coração possa envenenar.

Ela quer que parem de lhe ver como a moça de sorriso quieto.

Ela quer ser apenas uma mulher.

Ela não espera mais pelo príncipe, nem pelos pais a lhe socorrer.

Tão cedo adormece a língua e ela insiste em escrever, escrever para que alguém possa de longe ver, o seu choro, o seu mais bonito choro. Ninguém imagina que aqueles olhos foram feitos para chorar. Ninguém sabe do seu amor, nem ela pede. Com o tempo, indo para a cidade de luzes eternas, ela se acostuma a virar as noites tão sozinha.

Mas as estrelas jazem de perto e, na sua fantasia, ela pode até tocá-las. No entanto, ela é esperta e sabe se virar na escuridão plena de uma noite sem luar. Cata as bolsas, investe na mentira, se faz fortaleza e na cor rubra dos lábios, ela pode cortar àqueles que quiserem mais de um luar.

 


 

6

Eu volto para o silêncio. Ela se dissipa por inteiro em uma névoa de devaneios. Lígia é uma menina tão frágil e amada, que também esconde bêbada, mais uma fantasia.

Acorda cedo, cansa as olheiras com novas alquimias e vai cantar sossegada um novo blue, enquanto debulha feijões como numa prece vulgar.

Ela é a menina mais triste que alguém poderia amar. 


01/02/2009 - Imagens da atriz Soledad Miranda (1943-1970) - Musa do diretor Jess Franco.


sexta-feira, 8 de abril de 2011

Resenha do livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”

História do Brasil: jornalista tenta desmistificar vultos e fatos históricos, mas acaba provocando apenas um discurso reacionário e conservador


Eu ganhei de presente de aniversário um livro sobre a história do Brasil escrita pelo jornalista Leandro Narloch. O livro tem o sugestivo título “Guia politicamente incorreto da história do Brasil”. Li a obra numa tarde, o que demonstra a qualidade do livro como literatura. É a típica obra em que a leitura vai numa tacada só, isso porque se trata de “causos” que envolvem nossa compreensão de Brasil e fascinam pelos argumentos e “teses” defendidas pelo jornalista, porém, nem todas as provocações de Narloch são eficientes em seu papel de pesquisa imparcial como “o outro lado da história brasileira”.

O livro é bem criativo no nome e com visual primoroso, cheio de ilustrações e com uma capa que remete a um “Sargent Peppers tupiniquim” com vários vultos da história e cultura nacional. A obra de Narloch tem o propósito de cutucar algumas idéias sacramentadas sobre heróis e heroísmos de nossa pátria mãe. Contudo, mesmo que o livro seja muito bem escrito - o que representa uma leitura de fácil entendimento, sem academicismos, além de estar guarnecido por uma profunda pesquisa - a sensação é de que o livro subliminarmente seria um tiro ideológico contra esse Brasil governado por “esquerdas” - acaba soando como uma obra bem humorada sobre a necessidade de desconstruir certos marcos e fatos históricos. Uma piada de humor negro, pois só assim se justifica a velha necessidade ideológica de dizer que a ditadura no Brasil não foi tão “nefasta” para o país.

Se o interesse era provocar a ira daqueles que aprenderam a historiografia politicamente incorreta com o guia, ele fracassou. Isso, porque não há como enfurecer qualquer cidadão com bom senso e sem ideologias partidárias que lê o livro como “outro lado da história”. O livro destaca sempre com algum tipo de ranço ou revanchismo uma visão de uma classe social que perdeu o bonde em algum verão da década de 70. Daí, Narloch, como aquelas “viúvas” do milagre econômico, se valeu da ação de jogar inúmeras citações e informações que provocam a confusão de mostrar, também ideologicamente, apenas um lado da história, algo que ele reitera foi o motivo de produzir um livro critico.

Exemplos? Vários. Quando ele fala que dezenas de gerações aprenderam que o Brasil imperialista destruiu, com ares de extermínio o Paraguai, ele se equivoca. Eu estudei Ospb e Moral e Cívica no final dos anos 80 e lembro muito bem o que se aprendia nas cartilhas: Solano López era um tirano sanguinário que teve o que mereceu. Logo, a tal versão clássica que ele contesta, é uma versão recente que há pouco está inscrita nos livros de história.

Quando ele destaca um capítulo inteiro sob o termo “comunistas”, a piada passa a ser hilária. Isso porque é só pesquisar as empresas que o nobre jornalista trabalhou, tais como a Editora Abril e, principalmente, a revista em que ele foi repórter, Veja, para entendermos o porquê de toda esse desejo de vingança em 37 páginas. É nesse espaço dedicado aos seres do mal, conhecidos como “comunistas” que notamos o mesmo discurso empregado pela Veja há quase dez anos.

Ora, ele defende que a repressão só existiu a partir de 1968 e isso porque os jovens “terroristas” assim desejaram por provocarem o caos social com seus espíritos malignos e vermelhos. Claro, na opinião de Narloch, tivemos um período de paz que vai de 1964 até 1968, nele o país viveu uma maravilhosa democracia militarizada, um paraíso tropical sustentado pela CIA em que centenas de prisões, banimentos, censuras e a transformação do pluripartidarismo em apenas duas opções políticas, a Arena e o MDB são exemplos da fina flor da democracia.

Mas Narloch vai além: quando ele aponta para o velho conceito de que houve o golpe de 1° de abril de 1964 porque o Brasil estava prestes a ser “invadido” por comunistas, num golpe articulado com os guerrilheiros de Cuba, temos a mesma justificativa para os 21 anos de militares no poder. No entanto, ele não fala do dinheiro jogado na América do Sul para que fosse patrocinado tal golpe, dinheiro advindo de uma política fascista dos EUA que empregava sua Doutrina de Segurança Nacional. Eram os tempos de Guerra Fria e o próprio golpe dentro do golpe que permitiu com o AI-5 os tempos de linha-dura foi um plano arquitetado por militares ávidos pelo poder total que tinham no apoio norte-americano a base para suas ações.

Como falei anteriormente: o livro é muito bom e passa a ser um guia para contextualizar diversos fatos históricos, mas, assim como a história que ele critica, a abordagem do autor também não deve ser levada como verdade absoluta, afinal mesmo que seja farto em documentação e fontes históricas, temos um livro com detalhes pinçados para legitimar uma posição parcial. Portanto, com a pretensão de fazer barulho, Narloch consegue oferecer informações históricas relevantes, também bons momentos de humor, mas nunca uma história geral, sem ideologias.

Espera-se que haja um novo guia, dessa vez desconstruindo outros mitos e heróis da política e cultura nacional. Seria interessante ver Narloch comentar sobre FHC posando como prefeito eleito de São Paulo em 1985 e depois perdendo o cargo para o “vassourinha” Jânio Quadros, num perfeito caso da velha arrogância política e cultural das elites “brazucas”, ou então abordar a posição da revista Veja na tentativa de desestabilizar o governo Lula, ato que soa ridículo para qualquer um que lê a publicação com o mínimo de senso crítico, tudo isso porque uma revista que se diz preocupada com a informação imparcial acaba soando como aqueles fanzines xerocados de fãs xiitas de grupos punk do começo da década de 80. Isso sem falar que há diversos vultos históricos que poderiam ser criticados pela escrita do autor, de militares a empresários de renome, passando por jornalistas metidos a donos da verdade.

Narloch conseguiu publicar um bom livro de humor. Agora, o jornalista sofre um fracasso retumbante quando deseja irritar quem gosta de imparcialidade. Ao defender uma história “não-marxista” ele produz uma história capitalista e também antidemocrática, não isenta de reacionarismos ideológicos, isso porque num livro feito por jornalistas é vital a idéia de que qualquer boa reportagem parte do principio de apresentar os dois lados de qualquer questão, o que não temos em “O Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”.

Anvil: ética e honestidade profissional em documentário

            Recentemente eu vi o documentário Anvil – The Story of Anvil (2009) e posso garantir que a experiência foi fantástica não apenas por eu ser um apreciador de rock e heavy metal, mas porque o filme fez com que eu refletisse sobre vários aspectos, inclusive os de ordem pessoal.
            O filme do diretor Sacha Gervasi aborda a história da banda canadense de heavy metal Anvil que foi uma das grandes influências de ícones do estilo como o Metallica, porém a tônica da obra é registrar o dia-a-dia de um grupo que por mais de trinta anos tenta o sucesso e não consegue, além de passar por maus bocados em sua trajetória.
É comovente ver a batalha dos músicos que sobrevivem com outros empregos e não desistem dos sonhos de um dia tornarem-se “astros do rock”. Mesmo com famílias para sustentarem, eles seguem os seus ideais de forma autêntica e ética e não mudam seu posicionamento quanto à banda. Ou seja, não desistem dos seus sonhos, mesmo que quase sempre se dêem mal na busca por eles.
            O mais importante do documentário é essa lição: seguir seus sonhos profissionais sem se vender. Não trair seus princípios e valores em busca de uma falsa ascensão profissional. Ser autêntico, não importa que a moda em nossa sociedade diga que isso é ridículo!
            Eu tirei essas lições e fiz uma reflexão sobre meu trabalho e meus ideais. Cheguei à conclusão que sigo pobre e até com mais dívidas do que alguns anos atrás. Mas sou orgulhoso de ter escrito e construído coisas sem pedir a “benção” de ninguém. Também é valoroso saber que nunca precisei mudar minha “identidade” para ser aceito nessa sociedade, tudo que fiz, disse e pensei, fiz com o coração e com meus ideais, mesmo que isso implique ser olhado como um “á margem”. No entanto, essa experiência é fascinante, porque quando se conquista algo, sabe que é de verdade e isso faz com que o trabalho seja feito com paixão, não por meros símbolos de status. Outra coisa interessante é que com o tempo passa-se a perceber quem é quem nesse jogo. De fato, eu adquiri bons colegas e amigos de trabalho nesses anos e pude também perceber o quanto de traíra existe à nossa volta.
            O que saliento é que por mais complicada que seja a estrada é necessário segui-la de forma honesta, principalmente consigo mesmo.
            Como disse o jornalista Antonio Carlos Monteiro, da Roadie Crew: “O que vale a pena nessa vida, no fim das contas, é ser correto, sincero, honesto e ético. É por isso que o Anvil, mesmo depois de trinta anos está experimentando o merecido sucesso.”.
            Agora, o Anvil colhe esses frutos. A banda é convidada desde o ano passado para diversos festivais nos EUA e Europa e o novo disco This is Thirteen, saiu por uma major. Enfim, a banda não é uma unanimidade (até porque como diria Nelson Rodrigues a ‘unanimidade é burra’), mas é um dos grupos mais importantes do final dos anos 70 e começo dos 80. Muito do que conhecemos hoje no metal se deu a grupos como Anvil, Exciter, Diamond Head, Venom e Raven, por exemplo, portanto é muito bom saber que por mais árdua que tenha sido a carreira desses gringos, agora eles, finalmente, conseguiram seu lugar ao sol.