Quando fui preso, alguém me esperou sorrindo e quis conversar uma conversa mole de conversão doada pelo senhor dos senhores que poderiam estar presos; mas livres pelo amor, pela bondade, pela artimanha de deixar os corpos presos, todavia com as almas tão livres que nenhum esquema de segurança poderia prender estes homens paradoxalmente livres em um presídio de segurança máxima.
Eu tinha apenas 22 anos. Ouvi, falei, dormi.
Agora, tempos e mais tempos depois, nenhuma cela ainda deixou meu coração livre. Meu coração se prende fácil. Chora, sangra, causa repulsa a si mesmo, por ser um coração fraco, tão bobo que se importa com as flores, com as amantes, com as dores que causei. Reticente, sempre bate descompassado. É um samba doído, não é feito para sambar sorrindo. Tem uma ginga que exige mais do gingado. Ou seja, é mais samba lamento. É um samba que vem e bate, bate e vem, lento e num disparate sem graça. É samba de coração mole, daqueles que espera o bater dos outros corações para, aí sim, tentar a harmonia.
Esse coração numa avenida seria sempre desclassificado. Nota mínima, mesmo tendo leveza, alguma graça graciosa, ele seria desclassificado por ser coração antiquado. Daqueles que vem com cartola, terno branco e uma rosa vívida na mão esquerda.
Por isso meu coração vive preso. Fica algemado numa cela apertada que fica na espera das esperas. Ele se agita todo em breves instantes. Sabe que na lida tem que se mostrar augusto e forte como se fosse de aço, ferro ou chumbo, mas é de carne embriagada em sangue. Meu coração não nasceu para a guerra! E se tenta vencer as provas diárias da vida, logo é expulso por essas fraquezas. Dispensado da ordem, do progresso, ele segue ultraje sem medo de ser errante, mas se asila cortês nos braços de morenas que saibam sambar.
Preso. A supressão do ir e vir. A redução dos instintos para os limites impostos pela ordem. Os limites estabelecendo o pensar. O pensamento ajoelhado em um canto escuro, com goteiras e ratos a identificar a situação incômoda de um dia ter pensado, de um dia ter incomodado. Por isso o homem se cala. Consente à voz, um silêncio mordaz. Desvia os olhos, cabisbaixos e, rente ao chão, não encara o inimigo. Aceita e sinaliza o acordo. Vive para sobreviver. Agradece aos homens, aos líderes, aos deuses de tantos nomes que apenas estáticos julgam os destinos das formigas.
O homem padece por ter nascido com a esperança da liberdade.
Marcelo Pimenta e Silva - 2009
Eu amei...
ResponderExcluirQuem derá todos tivessem um coraçao assim... lindo mesmo o texto.. parabens