Antonioni filmando Zabriskie Point (1970) |
O italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007), vindo da escola Neo Realista de autores como Vittório de Sica, Federico Fellini, e Luchino Visconti, vai adentrar a década trazendo à tona o tema da incomunicabilidade, na trilogia do silêncio: A Aventura (1960), A Noite (1961) e O Eclipse (1962). Nessas obras é que Antonioni apresenta seu formalismo único: planos longos e poucos diálogos apresentam o conceito do esvaziamento moral e a “desumanização” das relações humanas a partir do pós-guerra na Europa. Essa característica, da nova sociedade, principalmente a burguesa, entediada com seu papel social, é estabelecida com o silêncio entre os personagens. A incomunicabilidade discutida pelo diretor é atual em nosso tempo pós-moderno, onde as relações sociais se dão através de signos digitais em um espaço de tempo virtual – o ciberespaço – a Internet produz a globalização de culturas, costumes e gírias, mas exclui, de certa forma, o contato social. As comunidades virtuais têm esse caráter paradoxal: ao mesmo tempo em que reúnem pessoas com os mesmo gostos culturais, formando assim “tribos virtuais” - que mantém diálogo e relacionamento acerca daquilo que as combina, elas mesmas são excludentes ao segmentar em células distintas, as pessoas que contenham o mesmo “perfil”; a mesma identidade cultural, que por sua vez é transitória e de conteúdo frágil e maleável.
Antonioni realizou em vida um cinema silencioso, mas isso não o fez menos sensível ao que ocorria no mundo, principalmente às revoluções jovens estabelecidas nos anos 60. Dois de seus filmes conseguem documentar com fidelidade o que ocorria na época, além de retratarem a movimentação cultural feita pelos jovens, eles conseguem se manter atual e influenciar até hoje produtos mais ousados e independentes de cineastas, que buscam, através de tramas com contestação, seguir os passos daquele cinema de autor preconizado nos anos 60. Blow Up (Depois daquele beijo, 1966) e Zabriskie Point (Idem, 1970) são as duas obras do diretor italiano que merecem destaque nesse artigo.
Blow Up: Clássico de 1966 |
Blow-Up é o primeiro trabalho de Antonioni em língua inglesa. Filmado em Londres em 1966, o filme capta a efevervescência da capital britânica em plena “Swinging London”. Esse termo definia Londres como a capital cultural do ocidente na metade da década de 60. Lá estavam os Beatles e os Rolling Stones abusando do seu rock cada vez mais inventivo, além de institucionalizarem ao ritmo, o estilo mod que espalharia inúmeros de imitadores, tanto na ilha quanto em países como o Brasil.
O termo Mod, na época, consistia na moda de se vestir com ternos justos, gravatas finas, apreciar soul music, dançar e passear em suas lambretas. Os mods eram o oposto dos rockers, estes, jovens que se vestiam como nos anos 50 e que ouviam mais rock n roll. Os Beatles e os Stones uniram as duas vertentes e se tornaram tão populares que logo a Inglaterra teria bandas como The Who, The Kinks, The Yardbirds, The Animals, entre outros, exportando o som inglês para os EUA e, em seguida aos quatro cantos do mundo.
Em 1966, Londres já tinha todas essas referências de comportamento jovem, mas também havia a mini-saia de Mary Quant; a moda com a primeira super modelo Twiggy; o cinema underground; os hippies psicodélicos de Picaddily Circus e o amor livre praticado com maior efusão. Todo esse cenário era ideal para que Antonioni registrasse em película uma revolução de costumes que estava ocorrendo na sociedade. Assim, Blow-Up se insere como um filme de contracultura que obteve êxito (foi Palma de Ouro em Cannes no mesmo ano), mas que mantém os elementos da obra do diretor, bem como homenageia os filmes de suspense.
A magia da fotografia está presente em Blow Up |
A trama consiste no dia-a-dia de um fotógrafo de moda entediado com sua vida (inspirado no profissional das lentes David Bailey autor das capas dos Stones).Quando ele menos espera, sua vida é alterada quando ele fotograva um casal num parque. Através da revelação de negativos de fotos tiradas, o fotógrafo fica intrigado com a possibilidade de ter presenciado um assassinato, essa é a base de uma trama que vai além dos clichês de suspense.
Antonioni brinca com a noção dos conceitos do que é verdade e de como a fotografia pode comunicar, mas também iludir.
O que de fato é real? apenas um dos questionamentos de Blow Up |
Talvez a incomunicabilidade de Thomas (o protagonista do filme vivido por David Hemmings) seja o símbolo da geração que não conseguia se “comunicar” com o mundo que a cercava: família, escola, e governo. A explosão pop de referências no filme não é à toa. Antonioni cobriu de elementos psicodélicos a história e fez uma obra acima.
Como obra, que retrata um momento da sociedade ocidental, tem-se a presença de gírias da juventude da época, cenas de consumo de drogas, sexo livre, além da já clássica cena dos Yardbirds tocando em um pub com o guitarrista Jeff Beck quebrando a guitarra e a atirando para uma platéia em catarse, tudo está lá: a Inglaterra dos “sixties” e seus símbolos de cultura pop presentes em cada minuto de Blow-Up, sendo assim o êxito da produção em atestar de que era impossível produzir qualquer manifestação artística, ou até mesmo, produção midiática sem levar em conta os experimentalismos que se pretendia com a cultura psicodélica em voga entre os jovens.
A juventude americana apresentada em Zabriskie Point |
Quatro anos depois seria a vez da juventude americana aparecer de forma nítida e estonteante no filme Zabriskie Point. Com a atuação de dois jovens sem experiência alguma no cinema, Zabriskie explora os conflitos sociais provocados contra a política conservadora de Richard Nixon. O cenário é diferente de quatro anos atrás: não há mais o papo de curtir a vida apenas com “paz e amor”, os jovens, principalmente os universitários norte-americanos almejavam tomar o poder subvertendo o sistema.
No filme, o psicodelismo, o uso de drogas, as mensagens de subversão e contestação do flower power estão mais agressivas do que em Blow-Up, talvez porque a contracultura americana tenha sido mais contundente em movimentos e combates do que a inglesa. O certo é que o filme discute o embate ao consumismo capitalista americano e a fuga dos personagens para um exílio em uma paisagem desértica e onírica: o Vale da Morte, na Califórnia.
Antonioni dirige casal de protagonistas |
Criticado e sem o sucesso da obra anterior, Zabriskie tem muito da violência social dos movimentos criados pós-68. Ou seja, a trama ainda carrega no ideal psicodélico da contracultura, o enfrentamento através da revolução de costumes frente ao poderio e a dominação capitalista, usando artifícios como o uso de drogas para expansão mental, bem como a busca pela prática sexual sem tabus ou limites. Porém, é explícito o tom de melancolia da produção, que contrasta com a “alienação colorida, mas contagiante” de Blow-Up.
Os protagonistas de Zabriskie Point não eram atores profissionais |
Aqui os jovens estão conscientes da guerra contra o sistema e também sabem que não têm muita escapatória: ou se aliam ao sistema, ou “desaparecem” entrando assim na alienação e escape para comunidades alternativas, que viviam além da busca pelo naturalismo e o rompimento com a dependência aos bens de consumo capitalistas. Assim, muitos seguiram o lema do papa do ácido, o doutor em psicologia clínica Timothy Leary que pregava: “Turn on, Turn in, Drop out” (Ligue-se, sintonize-se, caia fora), nada mais que uma das máximas da filosofia hippie.
O filme pode não ter a eloqüência cerebral dos simbolismos de Blow-Up, perdendo-se em discussões políticas com “viagens alucinantes” em cada filigrana. Mas é inegável a ousadia do diretor em mostrar a América repressora do período Nixon e sua política ostensiva aos movimentos da contracultura. O ataque de Antonioni ao mainstream que utiliza as próprias ferramentas de arte como o cinema para controle social, se completa com a bela cena em que ao som de “Carefull With the Axe Eugene”, do grupo Pink Floyd, vários bens de consumo explodem frente à câmera.
bens de consumo e a própria consciência explodem em Zabriskie Point |
No Brasil, o filme só foi lançado nos cinemas 10 anos depois. Culpa da censura exercida pelo governo militar que proibiu durante vários anos os filmes, livros e demais produtos culturais que representassem “perigo subversivo” ao país.
Nos anos 80, Zabriskie, bem como a contracultura do flower power, seriam vistos como manifestações datadas de um tempo utópico. Só nos dias atuais é que a obra parece ganhar um “respeito maior”, visto o número de comunidades no Orkut e sites dedicados a cinema e cultura pop. Tudo porque o ideal representado na obra, ganha nos tempos pós-modernos, uma aura pop para os jovens da era digital. Talvez pela própria indústria cultural ter se adaptado aos valores pregados pela contracultura, ou porque a própria produção contracultural tem grandes ligações com o que hoje conhecemos como cultura pop.
Antonioni: o mestre da incomunicabilidade |