quinta-feira, 26 de maio de 2011

Antonioni: o cinema e a incomunicabilidade





Antonioni filmando Zabriskie Point (1970)

O italiano Michelangelo Antonioni (1912-2007), vindo da escola Neo Realista de autores como Vittório de Sica, Federico Fellini, e Luchino Visconti, vai adentrar a década trazendo à tona o tema da incomunicabilidade, na trilogia do silêncio: A Aventura (1960), A Noite (1961) e O Eclipse (1962). Nessas obras é que Antonioni apresenta seu formalismo único: planos longos e poucos diálogos apresentam o conceito do esvaziamento moral e a “desumanização” das relações humanas a partir do pós-guerra na Europa. Essa característica, da nova sociedade, principalmente a burguesa, entediada com seu papel social, é estabelecida com o silêncio entre os personagens. A incomunicabilidade discutida pelo diretor é atual em nosso tempo pós-moderno, onde as relações sociais se dão através de signos digitais em um espaço de tempo virtual – o ciberespaço – a Internet produz a globalização de culturas, costumes e gírias, mas exclui, de certa forma, o contato social. As comunidades virtuais têm esse caráter paradoxal: ao mesmo tempo em que reúnem pessoas com  os mesmo gostos culturais, formando assim “tribos virtuais” - que mantém diálogo e relacionamento acerca daquilo que as combina, elas mesmas são excludentes ao segmentar em células distintas, as pessoas que contenham o mesmo “perfil”; a mesma identidade cultural, que por sua vez é transitória e de conteúdo frágil e maleável.

Antonioni realizou em vida um cinema silencioso, mas isso não o fez menos sensível ao que ocorria no mundo, principalmente às revoluções jovens estabelecidas nos anos 60. Dois de seus filmes conseguem documentar com fidelidade o que ocorria na época, além de retratarem a movimentação cultural feita pelos jovens, eles conseguem se manter atual e influenciar até hoje produtos mais ousados e independentes de cineastas, que buscam, através de tramas com contestação, seguir os passos daquele cinema de autor preconizado nos anos 60. Blow Up (Depois daquele beijo, 1966) e Zabriskie Point (Idem, 1970) são as duas obras do diretor italiano que merecem destaque nesse artigo.

Blow Up: Clássico de 1966
 
Blow-Up é o primeiro trabalho de Antonioni em língua inglesa. Filmado em Londres em 1966, o filme capta a efevervescência da capital britânica em plena “Swinging London”. Esse termo definia Londres como a capital cultural do ocidente na metade da década de 60. Lá estavam os Beatles e os Rolling Stones abusando do seu rock cada vez mais inventivo, além de institucionalizarem ao ritmo, o estilo mod que espalharia inúmeros de imitadores, tanto na ilha quanto em países como o Brasil. 

O termo Mod, na época, consistia na moda de se vestir com ternos justos, gravatas finas, apreciar soul music, dançar e passear em suas lambretas. Os mods eram o oposto dos rockers, estes, jovens que se vestiam como nos anos 50 e que ouviam mais rock n roll. Os Beatles e os Stones uniram as duas vertentes e se tornaram tão populares que logo a Inglaterra teria bandas como The Who, The Kinks, The Yardbirds, The Animals, entre outros, exportando o som inglês para os EUA e, em seguida aos quatro cantos do mundo.

Em 1966, Londres já tinha todas essas referências de comportamento jovem, mas também havia a mini-saia de Mary Quant; a moda com a primeira super modelo Twiggy; o cinema underground; os hippies psicodélicos de Picaddily Circus e o amor livre praticado com maior efusão. Todo esse cenário era ideal para que Antonioni registrasse em película uma revolução de costumes que estava ocorrendo na sociedade. Assim, Blow-Up se insere como um filme de contracultura que obteve êxito (foi Palma de Ouro em Cannes no mesmo ano), mas que mantém os elementos da obra do diretor, bem como homenageia os filmes de suspense.

A magia da fotografia está presente em Blow Up



A trama consiste no dia-a-dia de um fotógrafo de moda entediado com sua vida (inspirado no profissional das lentes David Bailey autor das capas dos Stones).Quando ele menos espera, sua vida é alterada quando ele fotograva um casal num parque. Através da revelação de negativos de fotos tiradas, o fotógrafo fica intrigado com a possibilidade de ter presenciado um assassinato, essa é a base de uma trama que vai além dos clichês de suspense.

Antonioni brinca com a noção dos conceitos do que é verdade e de como a fotografia pode comunicar, mas também iludir.

O que de fato é real? apenas um dos questionamentos de Blow Up


Talvez a incomunicabilidade de Thomas (o protagonista do filme vivido por David Hemmings) seja o símbolo da geração que não conseguia se “comunicar” com o mundo que a cercava: família, escola, e governo. A explosão pop de referências no filme não é à toa. Antonioni cobriu de elementos psicodélicos a história e fez uma obra acima.

Como obra, que retrata um momento da sociedade ocidental, tem-se a presença de gírias da juventude da época, cenas de consumo de drogas, sexo livre, além da já clássica cena dos Yardbirds tocando em um pub com o guitarrista Jeff Beck quebrando a guitarra e a atirando para uma platéia em catarse, tudo está lá: a Inglaterra dos “sixties” e seus símbolos de cultura pop presentes em cada minuto de Blow-Up, sendo assim o êxito da produção em atestar de que era impossível produzir qualquer manifestação artística, ou até mesmo, produção midiática sem levar em conta os experimentalismos que se pretendia com a cultura psicodélica em voga entre os jovens.
  

A juventude americana apresentada em Zabriskie Point

Quatro anos depois seria a vez da juventude americana aparecer de forma nítida e estonteante no filme Zabriskie Point. Com a atuação de dois jovens sem experiência alguma no cinema, Zabriskie explora os conflitos sociais provocados contra a política conservadora de Richard Nixon. O cenário é diferente de quatro anos atrás: não há mais o papo de curtir a vida apenas com “paz e amor”, os jovens, principalmente os universitários norte-americanos almejavam tomar o poder subvertendo o sistema.

No filme, o psicodelismo, o uso de drogas, as mensagens de subversão e contestação do flower power estão mais agressivas do que em Blow-Up, talvez porque a contracultura americana tenha sido mais contundente em movimentos e combates do que a inglesa. O certo é que o filme discute o embate ao consumismo capitalista americano e a fuga dos personagens para um exílio em uma paisagem desértica e onírica: o Vale da Morte, na Califórnia. 

Antonioni dirige casal de protagonistas
 
Criticado e sem o sucesso da obra anterior, Zabriskie tem muito da violência social dos movimentos criados pós-68. Ou seja, a trama ainda carrega no ideal psicodélico da contracultura, o enfrentamento através da revolução de costumes frente ao poderio e a dominação capitalista, usando artifícios como o uso de drogas para expansão mental, bem como a busca pela prática sexual sem tabus ou limites. Porém, é explícito o tom de melancolia da produção, que contrasta com a “alienação colorida, mas contagiante” de Blow-Up.

Os protagonistas de Zabriskie Point não eram atores profissionais



Aqui os jovens estão conscientes da guerra contra o sistema e também sabem que não têm muita escapatória: ou se aliam ao sistema, ou “desaparecem” entrando assim na alienação e escape para comunidades alternativas, que viviam além da busca pelo naturalismo e o rompimento com a dependência aos bens de consumo capitalistas. Assim, muitos seguiram o lema do papa do ácido, o doutor em psicologia clínica Timothy Leary que pregava: “Turn on, Turn in, Drop out” (Ligue-se, sintonize-se, caia fora), nada mais que uma das máximas da filosofia hippie.

O filme pode não ter a eloqüência cerebral dos simbolismos de Blow-Up, perdendo-se em discussões políticas com “viagens alucinantes” em cada filigrana. Mas é inegável a ousadia do diretor em mostrar a América repressora do período Nixon e sua política ostensiva aos movimentos da contracultura. O ataque de Antonioni ao mainstream que utiliza as próprias ferramentas de arte como o cinema para controle social, se completa com a bela cena em que ao som de “Carefull With the Axe Eugene”, do grupo Pink Floyd, vários bens de consumo explodem frente à câmera.

bens de consumo e a própria consciência explodem em Zabriskie Point


No Brasil, o filme só foi lançado nos cinemas 10 anos depois. Culpa da censura exercida pelo governo militar que proibiu durante vários anos os filmes, livros e demais produtos culturais que representassem “perigo subversivo” ao país.

Nos anos 80, Zabriskie, bem como a contracultura do flower power, seriam vistos como manifestações datadas de um tempo utópico. Só nos dias atuais é que a obra parece ganhar um “respeito maior”, visto o número de comunidades no Orkut e sites dedicados a cinema e cultura pop. Tudo porque o ideal representado na obra, ganha nos tempos pós-modernos, uma aura pop para os jovens da era digital. Talvez pela própria indústria cultural ter se adaptado aos valores pregados pela contracultura, ou porque a própria produção contracultural tem grandes ligações com o que hoje conhecemos como cultura pop.

Antonioni: o mestre da incomunicabilidade










quarta-feira, 11 de maio de 2011

Literatura pop: relatos de perdedores e malditos


Trainspotting: literatura pop + cinema pop = radiografia dos anos 90


Um tipo de texto está popularizado na internet, em especial em blogs e que retrata com fidelidade o cotidiano da juventude atual. Esse novo formato de texto é conhecido como literatura pop. Um tipo de texto, onde ficam evidentes algumas características marcantes, tais como o pouco uso de técnicas de narrativa - como as necessárias nos romances mais densos - a presença constante de referências da cultura pop (daí a ligação com o termo) e o uso de prolixidade para as tramas que quase sempre estão centradas na figura do narrador. 

Essa nova literatura é muitas vezes acusada por críticos de ser tudo, menos literatura. Os detratores acusam o gênero, rotulando-o como uma literatura pobre e que se aplica com mais eficiência aos diários virtuais da internet.

Em contrapartida, os defensores reforçam a importância desse tipo de texto como a tradução da sociedade atual que está conectada e que vive sob intenso volume de informações. Por isso, vários autores buscam referências no passado para criar uma literatura que seja, no mínimo, a representação ideal do cotidiano desses tempos de pós-modernidade.

Uma influência reiterada por alguns desses novos escritores é a busca pela estética da literatura beat de autores como Charles Bukowski, Jonh Fante, William Burroughs e Jack Kerouac, entre outros. Os autores brasileiros dos anos 70, escritores conhecidos como “marginais da literatura”, gente como Paulo Leminski, Torquato Neto, Wally Salomão, Ana Cristina César, Cacaso, também são nomes recorrentes na produção literária atual, principalmente em poesia. Outro "papa" da produção literária com forte influências de cultura pop é o gaúcho Caio Fernando Abreu, hoje, um dos grandes nomes em termos de "epigrafes" em blogs e redes sociais, bem como um dos autores mais lidos pelas gerações atuais.

Caio Fernando Abreu: cada vez mais atual

Relatos à margem do convencional

Os críticos retrucam ao estilo “marginal” dos textos dizendo que a literatura beat parecia ser feita com desleixo, mas na verdade havia um profundo conhecimento de técnicas literárias. Outro fator “condenável” para a produção feita pela nova geração seria o abuso de temas relacionados à música, sexo e drogas. Tudo isso aliado a sempre presença de um relato na primeira pessoa, explorando digressões que beiram o uso confessional e nada mais, seria a justificativa para que se resumisse a produção em mero relato do cotidiano desses autores. Contudo, a própria beat generation tinha em sua produção tais características, que na época podem ser destacadas como uma forma de provocar no leitor a reflexão às turbulências sociais vividas em meio a um tempo de contestação. Influência ou não, os autores beat sabiam muito bem direcionar a sua proposta de vanguarda. Tinham bagagem literária e conhecimentos acerca de filosofias budistas, por exemplo. Era objetivo da literatura beat irromper com um novo estilo de escrita que refletisse os temores existenciais de quem fosse jovem nos anos 40 e 50 sob o clima de Guerra Fria, além de provocar a reflexão acerca de uma sociedade marcada pelos da Segunda Guerra Mundial.

Polêmicas à parte, são inegáveis os “marcos” que a literatura pop já rendeu às gerações da chamada pós-modernidade. Nos anos 90, o estilo popularizou-se na Inglaterra, assim como o Brit Pop de bandas como Oasis, Blur e Supergrass. Os livros Trainspotting, de Irvine Welsh e Alta Fidelidade, de Nick Hornby tornaram-se best-sellers da chamada Geração X. As obras fizeram tanto sucesso que ganharam versões para o cinema e obtiveram a mesma resposta de público, influenciando o trabalho de novos escritores.

No Brasil, a literatura de conteúdo pop já saiu da rede mundial e ganhou páginas e mais páginas. Daniel Pellizzari (Dedo negro com unha), Daniel Galera (Até o dia em que o cão morreu) e Clarah Averbuck (Máquina de Pinball e Vida de Gato) são alguns dos nomes do extinto e-zine Cardosonline que ficaram conhecidos nacionalmente pelos escritos pontuados de confissões apresentadas, muitas vezes com um humor ácido em ironia, como num diário escrachado acerca da realidade.

Clarah Averbuck: confissões de uma mente alterada pela cultura pop


A discussão é válida porque traz novas perspectivas para se entender a nova literatura do Brasil. O fato é que esses autores conseguem uma ampla resposta ao “dialogar” com as pessoas da mesma geração. Outro ponto positivo é que a ruptura e o choque sempre provocam novas reflexões para a arte. Se novas propostas ainda encontram resistência por parte da crítica ou da academia, por exemplo, é inegável que a posteridade trará ou não o verdadeiro julgamento a essas obras. No passado, a poesia concreta, a pop art de Warhol e até mesmo o punk rock foram depreciados recebendo a alcunha de “lixo” ou de arte menor. Atualmente, têm-se reconhecida a importância dessas manifestações para a cultura em geral.

Pop ou não, com influências da cultura marginal e da literatura beat, a busca por uma nova literatura é vital para manter a chama acessa de retratar o contexto em que vivemos. Se hoje caí por terra os relatos ideológicos do passado, é porque os tempos atuais são mais dionisíacos do que apolíneos.

O advento de uma literatura desenvolvida pela internet segue o mesmo caminho transgressor das manifestações da contracultura, até porque são evidentes as particularidades que fazem similar a contundência de um discurso alternativo com a posição menos utópica da atualidade.

O que é geração beat?

Geração Beat ficou conhecida a geração de escritores, poetas e artistas, em geral que formaram uma vanguarda artística da cultura norte-americana nos anos 50. O início do movimento está ligado ao grupo de escritores que desenvolveram uma produção artística que aliava o interesse pelo relato em êxtase da drogas, bem como de todas as formas de experiências pessoais e transcendentais.

Kerouac: o "maldito" que cunhou o termo beat generation

Cláudio Willer, aponta que o termo “beatnik” tem um sentido irônico e depreciativo, quando a imprensa rotulou a produção dos autores da geração beat. Isso, porque o termo beat estaria associado ao nome do primeiro satélite artificial, o Sputnik. O termo pegou e designou ao fenômeno coletivo que pegaria em cheio aos jovens do pós-Guerra e que serviria de base para o comportamento social da contracultura, movimento social em escala global que definiria novos conceitos e valores a partir da década de 60.

Texto editado do artigo "As novas faces da literatura" - 2006

terça-feira, 10 de maio de 2011

A massa e a revolução







Michel Maffessoli: intelectual que cunhou o termo "tribos urbanas"
A análise de massa pelos intelectuais quase sempre é acompanhada de uma desconfiança natural com relação ao bom senso popular, tudo porque a massa ou o povo se ocupa sem preocupação daquilo que o cerca, sem ter a noção do que está além de seus círculos sociais. Todavia, não se pode definir o povo por esses conceitos errôneos.

O sociólogo francês Michel Maffessoli entende que esse conceito surge porque a massa foge do padrão de medidas estatísticasúmerosiçamento de pessoas que n perfil e o comportamento desse pcoesso de compra.
 sentirem-se incluis, por que acerquem sua comprovação com base em números. Daí, o sentido muitas vezes preconceituoso de que a massa é alienada, enfim, um grande agrupamento de pessoas que não se “enquadra” em fáceis definições, e sem fáceis definições, estereótipos ou rótulos, fica mais difícil entende-la.

O sociólogo destaca que tudo aquilo que é da ordem heterogênea e de complexibilidade extrema repugna os burocratas do saber, por não ser de fácil medição. Contudo, inquieta os burocratas do poder, isso porque uma massa não homogênea é mais difícil de controlar.

Como entender a massa?

Com a Revolução Francesa que eclodiu em 1789, ocorre uma transformação radical na vida política, bem como no papel do intelectual que é chamado a representar nela. Dessa forma, a política se torna base de qualquer pensamento social dos séculos XIX e XX. Hoje, é quase impossível compreender tudo que ultrapassa esse universo de sentidos, onde o povo e a idéia de massa são objetos de domínios reservados.

Não há como compreender o popular tentando-o submeter às linhas desconexas, que não se interligam, ou que estejam desvinculadas entre si. Esse ideal de projeto se reduz em parâmetros difusos porque não há como estabelecer o povo sem mergulhar na sua complexidade de signos. A massa é informe. Composta de ideais construtivas ou idéias alienantes; posições generosas e mesquinhas, ou seja, o povo é um organismo tomado de sentidos contraditórios.

Greve de 1917 em Porto Alegre: como prever e controlar a ação política da massa?


No passado os estudiosos delegavam poucos esforços na pesquisa com os povos das aldeias, hoje quando estas se multiplicam com suas características próprias nas grandes cidades, por exemplo, é necessário investigar esses pequenos universos para compreender o saber local daquele território. Esse saber, aliado a outros saberes de outros territórios, configura o entendimento da vida atual de nossas sociedades cada vez mais voláteis em identidades. É dessa forma que o estar junto é ressaltado.

Revoluções do cotidiano: culpa da massa

Mafessoli aponta que a história nomeia os grandes movimentos através dos tempos com pessoas específicas, mas além desses “heróis” construídos, a massa é que dinamiza a mudança político e social. Seja na revolução Francesa de 1789, como nas revoluções do Oriente Médio do começo do ano e que irromperam através da mobilização de comunicação alternativa realizada por internautas.


Liberdade: o pedido árabe é o mesmo de outros tempos

Em relação à contracultura do final dos anos 60, podem-se comparar as ações de revolta contra as ditaduras árabes pela mesma tônica de mudança, alteração do sistema político trazida pela influência de produtos culturais à margem e que ganham “espaço” e “voz” graças à tecnologia. A única diferença é que o cerceamento à informação e o pouco acesso a uma tecnologia como a atual - em que cada indivíduo torna-se um mensageiro em larga escala pelas redes sociais – “barrou” revoltas em países como os da América Latina nos tempos da ditadura. Hoje, sem a Guerra Fria, as ditaduras do Oriente Médio acabaram tornando-se um engodo para países como os EUA que por tanto tempo apoiou os regimes totalitários. A questão é que a “primavera árabe” nasceu a partir da energia da massa e do uso da tecnologia como instrumento de subversão.

Isso porque a internet possibilita a união de vozes de regiões distintas em cultura, mas que se encontram num mesmo universo de interesses e desejos. A manifestação de interesses não “institucionalizados” pelos aparelhos de controle e repressão, emerge de grupos que se proliferam em tentáculos virtuais, logo se manifestam no campo do “real”, o que determina novas formas de ação contra o poder. Portanto, qualquer forma de censura e controle, pode ser corrompido pela tecnologia que não altera a consciência das pessoas, mas apenas reforça a revitalização de uma cultura marginal, contrária a algo “oficial”. É essa “energia de massa”, plenamente orgânica, que a história comprova através dos tempos. Isso porque um grupo de pessoas que influe contra um mesmo objetivo, busca, na verdade, um ideal de sinergia em que todos os indivíduos possam fundir-se em um só “corpo”, porém mantendo sua própria autonomia dos demais grupos.

A revolução social causada pela massa árabe redefinirá o mundo

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cinema e Política: diálogo sempre necessário


          Na última década houve uma proliferação de filmes que abordavam temas políticos. Fenômeno registrado no Brasil, o cinema com temas políticos teve seu equivalente na Europa e Estados Unidos. Grandes produções, ou filmes de baixo orçamento, exploraram a verborragia utópica de um cinema “verdade” das obras contraculturais das décadas de 60 e 70. A diferença é o senso de nostalgia e, a conseqüente, ‘romantização’ de um ideal de mundo que virou artigo “retrô” da moda ou um símbolo heróico para aqueles que não viveram, mas gostariam de também pegar em armas e fazer as suas “barricadas do desejo” como tão bem salientou o filósofo “top” de 1968, Herbert Marcuse. Claro, o mundo mudou e estamos em um período em que não sabemos ao certo qual é o caminho para a civilização, afinal toda e qualquer ideologia é contestada por ter um caráter ideológico.

            No país das bananas, do samba e do futebol, passamos a adotar como coisa “tão nossa” o produto corrupção e aceitamos indiferente a condição de meros espectadores desse teatro bufão que se instalou em Brasília – atual espelho da deterioração de caráter nacional. Porém, o cinema sempre foi a arte que melhor (e com maior alcance) representa nossa condição humana. É pela dita sétima arte que ocorre a identificação com o personagem representado. O cinema nos mostra como realmente somos: seja como os inocentes úteis - a tradicional massa de manobra alienada que condena os próprios homens que ao poder foram postos por eles mesmos - ou como os vilões que preferem a omissão, o silêncio e o desdém para todo e qualquer crime cotidiano, tudo para conquistar seu espaço na máquina. Portanto, a ficção acaba denunciando tudo que é real e que se sustenta nos interstícios da vida social. Uma exploração que envolve, de alguma forma, todos os atores sociais numa superestrutura degradante, conhecida, hoje, como sistema político atual. Dessa forma, o cinema político é sempre interessante porque discute aquilo que muitas vezes achamos “chato”, mostrando com outras cores a realidade do dia-a-dia.
 
Hotel Ruanda: filme apresenta massacre esquecido pelo mundo

       
            É inegável que se há interesse do público nas produções políticas é porque precisamos mudar o curso do atual sistema.
            Assim, quando se tem um vácuo de intenções e onde o próprio sentido de mudar um planeta, condenado pelos abusos cometidos em nome do progresso e do desenvolvimento (e de todos os slogans positivistas), não gera comoção na maior parte da população mundial, têm-se a esperança que a arte produza a revolução de costumes.  
           
             Cinema e ideologia

            Nos anos 60 e 70 usavam-se metáforas para transmitir o discurso contra os aparelhos ideológicos de repressão, seja a escola, a igreja, a polícia e os governantes...
            Se a literatura e o teatro rompiam com os paradigmas e contestavam o mundo, a música e o cinema também faziam o mesmo. No campo da sétima arte, tivemos a explosão da Nouvelle Vague francesa que num primeiro momento discutia as relações do cotidiano para depois chegar a produções radicais como A Chinesa, de Godard. Se a obra encontrou eco nas agitações do Maio de 68; no Brasil nem houve tempo e força para produzir um cinema que empolgasse a discussão social. Com os militares no poder, o Cinema Novo foi acusado de ser ideologicamente contraditário, visto que era patrocinado com recursos do governo que criticava. Mesmo assim, o Cinema Novo lançou obras do porte de Terra em Transe, talvez a maior obra política que o país já tenha produzido, porém com a repressão e a censura voraz, o cinema brasileiro passaria quase vinte anos sobrevivendo com as pornochanchadas, gênero que manteve muitos atores e técnicos de cinema à margem, mas ainda no mercado de trabalho. A grande tragédia viria com a extinção de qualquer apoio ao cinema e isso chegaria aos tempos da era Collor, o mesmo que governava no triste ritmo das canções sertanejas de Leandro e Leonardo, enfim: dias trágicos para a arte e a cultura nacional.
 
Saló: A perversão humana legitimada pelo Estado
     

           Nos anos de censura, o público brasileiro ficou privado de produções nacionais que eram mutiladas ou proibidas e também dos filmes políticos realizados em outros países. Obras como Laranja Mecânica, O Conformista, 120 dias de Saló, Último Tango em Paris, Zabriskie Point, If, Giordano Brunno, A Classe Operária vai ao Paraíso, Z, Estado de Sítio, entre outros foram “decapitados” pela censura, ou totalmente proibidos como foi o caso de Último Tango e Laranja Mecânica.

Um Estranho no Ninho:  Metáfora perfeita para o sistema repressor
           

           Algumas obras conseguiram dar seu recado, talvez por ignorância dos censores, tais como Perdidos na Noite, Sem Destino, Cada Um Vive Como Quer e Um Estranho no Ninho.

          Para se ter uma ideia dos tempos complicados para quem desejava ver um filme, digamos contracultural, o premiado e clássico “Toda Nudez Será Castigada”, de Arnaldo Jabor, era retirado dos cinemas e o público escorraçado das salas quando do lançamento do filme, em 1973. A polícia, junto com censores, definia o que era considerado pornográfico ou subversivo, ou as duas coisas juntas. Claro, o tiro saia pela culatra e instigava ainda mais as pessoas procurarem os “brinquedos proibidos”. Como brasileiro sempre deu um jeitinho para tudo, a saída era viajar até o Uruguai, que na época ainda não estava amordaçado por uma ditadura tão barra pesada quanto a brasileira. A revista Veja de 4 de julho de 1973 divulgava as excursões que saiam de Porto Alegre até Montevidéu para que os gaúchos pudessem fazer o ato de subversão de irem ao cinema!!

          As excursões denominadas “Excursão Laranja Mecânica” e a “Operação Último Tango”, por exemplo, reforçavam o interesse do brasileiro por aquilo que era “proibido”, não que tais filmes incitassem a discussão política.


Último Tango em Paris: sexo e amor como política

 Questionário da censura

          Um filme com teor muito mais “político” foi o filme Sacco e Vanzetti, que abordava o assassinato dos dois anarquistas. Certamente, ele era incluído no questionário que os censores respondiam quando assistiam as obras. No questionário, havia questões como: Quanto à moral e aos bons costumes:

A – é construtivo?
B – Aborda conflitos de geração?
C- Induz à prática do amor livre?
D – Mostra cenas chocantes ou imorais?

Ou então:

Quanto ao conteúdo ideológico:
A – Contém propaganda marxista ostensiva?
B – Destaca graves problemas sociais?
C – Aborda problemas raciais, como discriminação racial no Brasil ou poder negro americano?
D – Os problemas fora do Brasil podem ter conotação velada ou sublinhada no Brasil?
E – Procura desmoralizar ou desfigurar a atividade policial ou das Forças Armadas?
F – A Igreja ou os fundamentos cristãos da sociedade – Distorce a doutrina cristã?

           E assim seguia o questionário, quase sempre respondido por censores que pouco sabiam do que se tratava as obras. Tanto é que o mesmo governo que escorraçou o público por assistir Toda Nudez... premiou o filme, através do Ministério da Educação.

Política nos dias atuais: ainda dá pra criticar com arte?

          Hoje, a palavra revolução soa tão artificial quanto uma propaganda de refrigerante, mas ainda há como escapar das produções blockbusters que servem apenas como entretenimento fugaz. Com o advento e expansão da internet todos podem ter acesso aos filmes antes proibidos ou “malditos” por não se enquadrarem nas produções de fácil compreensão. Além disso, percebendo a problemática que envolve nosso tempo, temos um resgate de obras que são feitas para questionar, não apenas o mundo que nos envolve, mas também a nós mesmos que estamos ali, concentrados e bem acomodados perdendo em torno de duas horas da vida real para acompanhar uma “ficção”.

Clube da Luta: mal estar da civilização


            No final dos anos 90 o filme Clube da Luta foi um soco no estômago da sociedade mundial que entende que consumir é o melhor e maior dos verbos. Da Europa, inúmeros filmes como A Vida Sonhada dos Anjos (obra que questiona o tratamento europeu às minorias) e Dogville que desestruturava como já havia ocorrido em outros filmes do movimento Dogma 95, a noção de cinema e espetáculo, bem como da sociedade que funciona à base de regras morais que condicionam apenas hipocrisia e mentira, foram casos de filmes autorais elogiados por público e crítica.

            Se a mídia é o quarto poder, assim como Costa-Gravas exibiu em sua obra homônima que criticava o sensacionalismo explícito e o poder de julgamento dos veículos de comunicação, O Show de Truman (1999) antevia a sociedade do espetáculo regida pela mídia, onde a nossa condição alienante em espiar a vida alheia passou a ser o grande modelo de diversão na “telinha”.

            O genial Bernardo Bertollucci resgatou as revoluções do cotidiano pregadas no simbólico 1968 com o belo Os Sonhadores (2003), onde as contradições de um mundo reacionário são expostas por um trio de estudantes dispostos a viverem novas experiências. Da Alemanha veio Adeus Lênin (2003) que trazia humor ao mostrar o desespero daqueles que desejavam manter as aparências de um regime varrido pelo neoliberalismo. Beleza Americana (1999) destruía todos os mitos americanos, que pela política imperialista passaram a ser os nossos mitos culturais, vindo abaixo antes que as Torres Gêmeas despencassem. Jardineiro Fiel, Syriana, Senhor das Armas, Coisas Belas e Sujas, são exemplos de que a globalização é apenas uma palavra bonita. Fora esses exemplos, temos Paradise Now que apresenta as discussões sempre atuais relacionadas à intolerância e radicalismo e o belo A Culpa é do Fidel que mostra a questão das ideologias radicais nos tempos de Guerra Fria.

Beleza Americana: o estúpido cidadão norte-americano (ou ocidental) no cinema


            Do lado tupiniquim tivemos marcos como Cidade de Deus e Tropa de Elite, filmes que comprovaram que cinema deve gerar discussão na sociedade. Outro grande motivo para a boa produção brasileira foi a tentativa de resgatar o passado recente que a sociedade insiste em esquecer, no caso os “anos de chumbo”. Houve uma série de filmes que trouxeram à tona os abusos cometidos no período de terror que durou duas décadas. Batismo de Sangue, Cabra Cega, Quase Dois Irmãos, Zuzu Angel, O Ano em que meus pais saíram de férias, só para citar os mais conhecidos.
 
            Contudo, o cinema brasileiro não ficou preso em observar o passado recente. Propostas ousadas e críticas contundentes sobre o país foram produzidas durante a década.

            O filme Quanto vale ou é por quilo?, de Sérgio Bianchi é um exemplo. A obra que serve como um panorama das indústrias da miséria social discute o passado e o presente do país. O paternalismo político e o sistema escravocrata se misturam com a realidade de falsos interesses da atualidade, onde a criação de Ongs e setores sociais e os tão aclamados posicionamentos de filantropia, são pura jogada de marketing político das empresas, uma máscara para novos atos de corrupção.

Quanto vale...: O assistencialismo como alternativa para a corrupção


            Outro filme que mexeu com as platéias foi A Concepção. Pesado em suas cenas e angustiante em sua abordagem, o filme mostra um grupo de jovens burgueses de Brasília entediados com a vida alienada e o vazio existencial. Na trama que choca pelas cenas e pelo discurso niilista, essa condição faz com que os personagens criem um sistema político e social baseado na anarquia e na destruição de todos os valores concebidos pela sociedade. Além desse filme, trabalhos como Amarelo Manga e Baixio das Bestas também tem um forte conteúdo político. Abordam a crueza do Brasil, numa denúncia seca e agressiva, mostrando aos brasileiros um país que preferimos não ver.

Baixio das Bestas: O mesmo Brasil da Copa é o Brasil das bestas

            O cinema político é vital para a compreensão do mundo que muitas vezes se mostra “difícil” de compreender. Quando somos bombardeados por notícias, muitas sem um aprofundamento necessário ou até mesmo uma abordagem menos rasa em conteúdo, precisamos buscar essa compreensão em livros e filmes. O cinema é um veículo de comunicação que consegue esse efeito e muitas vezes um filme não precisa ser baseado num “discurso político” para fazer política, afinal estamos sempre fazendo política e devemos ter essa ideia bem centrada para não ficarmos na eterna condição de “rebanho passivo”.