sexta-feira, 10 de junho de 2011

Livro apresenta a história do estilo mais pesado do rock




Livro aborda toda a história do gênero mais pesado do rock
1 - O gênero heavy metal ainda é taxado por preconceitos e estereótipos típicos de quem têm pouco conhecimento sobre o estilo e a importância do mesmo para a “eterna” revitalização do rock como cultura jovem. Muito do que é dito de forma pejorativa acerca do gênero mais pesado do rock é feito com má-vontade, além de inúmeros clichês que acabam sempre caindo em reducionismos e sensacionalismo. Claro, que o heavy metal sempre usou da polêmica como um dos artifícios para a manutenção de sua imagem rebelde e contestadora, porém mostrou durante décadas, uma vitalidade e ambição, bem maior que o punk rock, um estilo musical que muitas vezes ficou em guetos underground pela sua parca força propulsora de novos subgêneros. Dessa forma, é evidente que o metal manteve-se vivo e atuante pela capacidade de se reinventar e criar ramificações que utilizam influências que vão do jazz até o hardcore, por exemplo.

Para ilustrar a importância do metal às gerações de roqueiros das últimas quatro décadas, foi publicado no Brasil o livro “Heavy Metal – A História Completa”, do jornalista especializado em música, Ian Christe. O livro é um lançamento da editora ARX e vem com um apanhado geral e completo dos 40 anos do estilo, desde que o Black Sabbath lançou seu primeiro elepê, até as bandas atuais. Além de muito bem escrito, com uma história que mescla as desventuras dos “metaleiros” (termo ridículo criado pela Rede Globo durante o primeiro Rock In Rio, em 1985) com o contexto histórico, político e social de cada década, “Heavy Metal...” pode ser chamado de a “Bíblia Negra” do metal. O livro não é apenas uma fonte interminável de consulta para os apreciadores do estilo, mas pode-se dizer que é uma verdadeira luz às trevas que sempre são colocadas por jornalistas mal informados - os típicos críticos preconceituosos de cadernos culturais de publicações comerciais; senhores de terno e gravata que acham que o som mais pesado feito no rock é o U2.

O livro também aborda, de forma bem completa, a ligação do estilo com a grande mídia. Se no começo houve uma profunda ligação com a imprensa alternativa, visto sua popularidade através de fanzines que estimulavam a troca de fitas, o metal passou nos anos 80 a gênero predileto da MTV. Depois da glória, o estilo caiu no ostracismo na visão da grande mídia, isso porque na década de 90, a mídia popularizou estilos como música eletrônica e o próprio grunge. Contudo, nos subterrâneos, as bandas de metal continuavam a vender milhares de discos e realizar turnês lotadas por todo o globo, isso demonstra (e fica muito bem claro no livro) que o metal nunca precisou do grande apoio da mídia para vender discos. O estilo sobrevive (e bem) pela devoção dos fãs, tornando-o mais que um movimento modista, mas um estilo de vida que transpassa gerações e tendências.

Ou seja, a obra em questão não é apenas para quem é fã de heavy metal, mas para todos aqueles que gostam de música e querem entender a história de um estilo que definiu modas, gírias e todo um universo cultural.  

2 – Outro ponto positivo do livro é a riqueza de sua diagramação que conta com uma espécie de “árvore genealógica” do estilo, trazendo todos os fatos marcantes desses 40 anos de vida. Além disso, Christe aborda todos os subgêneros do metal, sempre apontando em listas, os melhores discos para cada determinado estilo, desde o heavy metal clássico, glam metal, thrash metal, doom metal, death metal, entre outras ramificações que compõem o mundo metálico.

3 – Como ninguém é de ferro, eu também fiquei inspirado pelo ótimo livro e criei minha lista com os melhores discos. Completamente pessoal foi a minha escolha e, como toda lista que se preze, ela é passível de equívocos, mas como o metal é feito de paixão, ninguém pode discutir o gosto alheio, então lá vão os melhores discos por cada ano dentro dessas 4 décadas de barulho, raiva e rebeldia.


Os melhores do Metal (1970-2000)

1970 – 1980 – HARD E METAL CLÁSSICO




Black Sabbath – Black Sabbath (1970)
Deep Purple – In Rock (1970)
Black Sabbath – Paranoid (1970)
Led Zeppelin – Led Zeppelin IV (1971)


Alice Cooper – Killer (1971)
Deep Purple – Machine Head (1972)
Alice Cooper – Schools Out (1972)
Trapeze – You Are the Music… (1972)
Uriah Heep – Demons and Wizards (1972)
West, Bruce and Lang – Why Dontcha (1972)
Black Sabbath – Vol. 4 (1972)
Deep Purple – Made in Japan (1972)
Led Zeppelin – Houses of the Holy (1973)
Black Sabbath – Sabbath Bloody Sabbath (1973)
Alice Cooper – Billion Dollar Babies (1973)
Grand Funk - We’re an American Band (1973)
Nazareth – Razamanaz (1973)
Deep Purple – Burn (1974)
Kiss – Kiss (1974)
Slade – In Flames (1974)
Bad Company – Bad Company (1974)
Sweet – Desolation Boulevard (1974)
Led Zeppelin - Physical Graffiti (1975)
Kiss – Alive! (1975)
Queen – A Night at the Opera (1975)
Black Sabbath – Sabotage (1975)
Nazareth – Hair of the dog (1975)
Aerosmith – Toys in the Attic (1975)
Deep Purple – Come Taste the Band (1975)
Scorpions – In Trance (1975)



Rainbow – Rising (1976)
Kiss – Destroyer (1976)
Thin Lizzy – Jailbreak (1976)
Judas Priest – Sad Wings of Destiny (1976)
AC/DC – Dirty Deeds Done Dirty Cheap (1976)
Scorpions – Taken by force (1977)
The Runaways – Queens of the Noise (1977)
AC/DC – Let There Be Rock (1977)
Kiss – Love Gun (1977)
Thin Lizzy – Bad Reputation (1977)
UFO – Light out (1977)
Thin Lizzy – Live and Dangerous (1978)
AC/DC – If You Want Blood… (1978)
Scorpions - Tokyo Tapes (1978)
Van Halen – Van Halen (1978)
Rainbow – Long Live Rock n Roll (1978)
Motorhead – Overkill (1979)


AC/DC – Highway to Hell (1979)
Judas Priest – Unleashed in the East (1979)
Van Halen – Van Halen II (1979)
Quiet Riot – Quiet Riot II (1979)
UFO – Strangers of the night (1979)
Cheap Trick – At Budokan (1979)

1980 – 1990 – O PESO E A FÚRIA DOS ANOS DOURADOS DO METAL

Iron Maiden – Iron Maiden (1980)
Motorhead – Ace of Spades (1980)


Saxon – Wheels of Steel (1980)
 Demon – Night of Demon (1980)
Judas Priest – British Steel (1980)
AC/DC – Back in Black (1980)
Ozzy Osbourne – Blizzard of Ozz (1980)
Black Sabbath – Heaven and Hell (1980)
Def Leppard – On Through the night (1980)
Scorpions – Animal Magnetism (1980)
Diamond Head – Lightning to the nations (1980)
Whitesnake – Ready N Willing (1980)
Motorhead – No Sleep till Hammersmith – (1981)
Iron Maiden – Killers (1981)
Black Sabbath – Mob Rules (1981)
Motley Crue – Too Fast for Love (1981)
Riot – Fire down Under (1981)
Angel Witch – Angel Witch (1981)
Ozzy Osbourne – Diary of a Madman (1981)


Iron Maiden – The Number of the Beast (1982)


Venom – Black Metal (1982)
Judas Priest – Screaming for Vengeance (1982)
Twisted Sister – Under the Blade (1982)
Whitesnake – Saints and Sinners (1982)
Scorpions – Blackout (1982)
Kiss – Creatures of the night (1982)
Picture – Diamond Dreamer (1982)
Anvil – Metal on Metal (1982)
Demon – Unexpected the guest (1982)
Accept – Restless and Wild (1982)
Triumph – Never Surrender (1982)
Motorhead – Iron Fist (1982)
Metallica – Kill em All (1983)
Raven – All for One (1983)
Dio – Holy Diver (1983)
Accept – Balls To the Wall (1983)
The Rods – Wild Dogs (1983)
Saxon – The Eagle has landed (1983)
Black Sabbath – Born Again (1983)
Saxon – Power and the glory (1983)
Iron Maiden – Piece of mind (1983)
Mercyful Fate – Melissa (1983)
Ozzy Osbourne – Bark At moon (1983)
Exciter – Violence and Force (1983)
Metallica – Ride the lightning (1984)
Iron Maiden – Powerslave (1984)
Whitesnake – Slide it in (1984)
 Metal Church – Metal Church (1984)
Dio – The Last in Line (1984)
Scorpions – Love At first sting (1984)
Judas Priest – Defenders of the faith (1984)
Dokken – Tooth and nail (1984)
Van Halen – 1984 – (1984)
WASP – WASP (1984)
Warlock – Burning the Witches (1984)
Mercyful Fate – Don’t break the oath (1984)
Exodus – Bonded by Blood (1985)
Slayer – Hell Awaits (1985)

Possessed – Seven Churches (1985)
Anthrax – Spreading Disease (1985)


Celtic Frost – To Mega Therion (1985)
Iron Maiden – Live After Death (1985)

Metallica – Master of Puppets (1986)
Slayer – Reign in Blood (1986)
Megadeth – Peace Sells… (1986)
Destruction – Eternal Devastation (1986)
Kreator – Pleasure to Kill (1986)
Nuclear Assault – Game Over (1986)
Ozzy Osbourne – The Ultimate Sin (1986)
Motley Crue – Theatre of Pain (1986)
Testament – The Legacy (1987)
Death – Scream Bloody Gore (1987)
Sepultura – Schizophrenia (1987)
Guns N Roses - Appetite for Destruction (1987)
Whitesnake – 1987 (1987)
Motley Crue – Girls, Girls, Girls (1987)
King Diamond – Abigail (1987)
Sodom – Persecution Mania (1987)
Death Angel – Ultraviolence (1987)
Voivod – Killing Technology (1988)
Testament - The New Order (1988)
Metallica – And Justice for All (1988)
Helloween – Keeper of The seven keys (1988)
Napalm Death – From Enslavement to Obliteration (1988)
Bathory – Blood, fire and ice (1988)
 D.R.I – Four of a kind (1988)
Slayer – South of Heaven (1988)
Megadeth – So far, so good, so what (1988)
Nuclear Assault – Handle with Care (1989)
Savatage – Gutter Ballet (1989)
Kreator – Extreme Aggression (1989)
Sepultura – Beneath the Remains (1989)
Exodus – Pleasures of the Flesh (1989)
Morbid Angel – Altars of Madness (1989)
Carcass – Symphonies of Sickness (1989)
Sarcófago – Rotting (1989)
Suicidal Tendencies – Lights, Camera and Revolution (1989)
Motley Crue – Dr. Feelgood (1989)
R.D.P. - Brasil (1989)
The Cult – Sonic Temple (1989)
Faith no More – The Real Thing (1989)


1990 – 2000 – METAL E SUAS INÚMERAS RAMIFICAÇÕES

Megadeth – Rust in Peace (1990)
Slayer- Seasons in the Abyss (1990)
Anthrax – Persistence of Time (1990)
Kreator – Coma of Souls (1990)
Iron Maiden – No Prayer for the Dying (1990)
Judas Priest – Painkiller (1990)
Pantera – Cowboys from Hell (1990)
Metallica – Metallica (1991)


Sepultura – Arise (1991)
Morbid Angel – Blessed are the sick (1991)
Sarcófago – The Laws of Scourge (1991)
Death – Human (1991)
Ozzy Osbourne – No More Tears (1991)
Kiss – Revenge (1992)
Iron Maiden – Fear of the dark (1992)
Megadeth – Countdown to Extinction (1992)
Biohazard – Urban Discipline (1992)
Slayer – Decade of Aggression (1992)
Cannibal Corpse – Tomb of Mutilated (1992)
Deicide – Legion (1992)

Napalm Death - Utopia Banished (1992)
Pantera – Vulgar Display of Power (1992)
White Zombie – LA Sexorcisto, Devil music (1992)
Sepultura – Chaos A.D. (1993)
Kiss – Alive III (1993)
Alice Cooper – The Last temptation (1993)
Type O Negative – Bloody Kisses (1993)
Dismember - Indecent & obscene (1993)
Morbid Angel – Covenant (1993)

Pantera – Far Beyond Driven (1994)
P.U.S. – Sin is the only salvation (1994)
Dorsal Atlântica – Alea, jacta est (1994)
Carcass – Heartwork (1994)
Megadeth – Youthanasia (1994)
Nativity in Black (1994)
Testament – Low (1994)
Death – Symbolic (1995)
Deicide – Once upon the cross (1995)
Brujeria – Raza Odiada (1995)
Sepultura – Roots (1996)
Megadeth – Cryptic Writings (1997)
Exodus – Another Lesson in violence (1997)
Korzus – KZS (1997)
Pantera – Oficial Live (1997)
Bruce Dickinson - Chemicall Weding (1998)
Slayer – Diaboulous in Musica (1998)
Black Sabbath – Reunion (1998)
Kiss – Psycho Circus (1998)
Nightwish – Oceanborn (1999)

Testament – The Gathering (1999)

















segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Gonzo na Zero: jornalismo marginal na imprensa pop*


 

 

 

* Versão da monografia "Revista Zero: Jornalismo Gonzo na Imprensa de Cultura Pop", de Marcelo Pimenta e Silva 

O Brasil teve inúmeras experiências jornalísticas que remetem a conceitos inovadores. Reportagens com características do jornalismo literário foram publicadas em revistas como O Cruzeiro, Realidade e também no vespertino Jornal da Tarde. Todas essas publicações iam contra a padronização encontrada em revistas como a Veja, por exemplo.

Em termos específicos de jornalismo Gonzo o estilo é encontrado há quase duas décadas na revista Trip, em especial nas reportagens de Arthur Veríssimo (Krette Júnior,  2006). Já a revista Zero, objeto de análise deste artigo, teve uma vida curta na história editorial das revistas de cultura jovem do Brasil, porém marcou época e determinou novos conceitos para a imprensa voltada à cena pop. Entre 2002 e 2004, a revista Zero contou com 14 edições e ficou conhecida como uma publicação que atendia aos gostos e interesses dos leitores da extinta revista Bizz. Justamente por ter sido lançada em um período de ausência da Bizz, a Zero ficou conhecida por atender uma demanda editorial para um público que consumia revistas de música pop. Por isso, neste período, a Zero foi uma alternativa ao mercado do jornalismo musical.

Contando com Marcelo Costa e Alexandre Petillo e, principalmente, os jornalistas Luiz César Pimentel, Marcos Bezzi e Daniel Motta, a revista Zero tinha como suas maiores intenções, a produção de uma revista informativa que não seria “óbvia”, tendo como foco principal, textos feitos com a passionalidade e a vontade de não ter limites editoriais, não sendo restrita ao mundo da música pop e rock, podendo, dessa forma, realizar desde entrevistas com o ex-jogador de futebol Serginho Chulapa; falar de cinema e sexo, como também abordar em suas páginas assuntos como literatura, política, entre diversos outros temas.  

 

Patota da Zero. Da esquerda para a direita: Daniel Motta, Marcelo Silva Costa, Luiz César Pimentel e Alexandre Petillo

 

Uma das principais características da revista Zero foi a de buscar uma experimentação gráfica ou textual em quase todos os números. A inovação em termos editoriais que Pimentel declarava ser a marca da Zero tinha uma proximidade estética com a dos fanzines (pequenas publicações desenvolvidas por fãs de um determinado assunto).

[...] Eu sei fazer um texto-padrão, que é feito na grande maioria dos veículos, mas nós queremos subverter um pouco essa ordem das coisas, e o texto da Zero vai ser tão informativo quanto se ele tivesse saído em outro veículo que tenha um texto-padrão, mas a gente apresenta o texto de outra forma. Não só o texto, mas a embalagem do texto  (Brocanelli, 2003).

 

Na edição de número seis, a capa da Zero vinha com um sósia de Elvis Presley fazendo a típica saudação do gênero de rock pesado heavy metal: dedos em formato de chifre, e a palavra “Drogas”, com a chamada “Nosso repórter toma um ácido em Graceland e desperta a ira de Elvis”, elementos que indicavam que a edição teria como tema comportamental o uso de drogas. De fato, sob o título “Dossiê drogas e rock n’ roll” a revista publicou um material composto por 22 páginas sobre o assunto.

Imersão no submundo de São Paulo

 

Edição polêmica: jornalista usa drogas e relata experiência gonzo

A reportagem selecionada para análise neste artigo apresentava as aventuras de um repórter da revista que havia tomado quatro ácidos, passando mais de 24 horas andando pelo centro de São Paulo em busca do que seria “um retrato de histórias reais de brasileiros de verdade”. Construída sob a forma de relatos, a reportagem “Viagem ao fundo do Brasil dos perdedores” de Bruno Torturra Nogueira (2003) apresenta um texto em primeira pessoa onde além de abordar a questão drogas e, os diversos anônimos marginalizados da megalópole, o repórter será o foco principal da matéria ao descrever as impressões de estar “chapado” pelas ruas da cidade.

Como ao escrever num diário, Nogueira anuncia a missão que precisa realizar: “A idéia era clara – registrar e relatar uma bad-trip de ácido em São Paulo”. Para isso Torturra tinha dois companheiros de viagem: Gregório Sambuca, um músico de 22 anos e usuário de drogas sintéticas e Leon, da mesma idade, que preferiu não ter o sobrenome divulgado na matéria e é arquiteto de origem libanesa, além de sentir “pulsão genética de ódio pela América”. O material para a produção da matéria era precisamente descrito:

 

Em cima da cama, os preparativos: agenda, bloco de notas, duas canetas, gravador de MD, microfone de lapela, uma câmera velha, três lentes, um rolo de filme, uma camiseta limpa, óculos escuros, uma sacola com bananas e o fundamental: quatro ácidos de boa procedência (o famoso bicicleta), uma bola de haxixe e cinco gramas de maconha (Nogueira, 2003 p. 16).

 

No trecho destacado podemos encontrar similaridades com a estética do Jornalismo Gonzo, em especial com o clássico de Hunter S. Thompson no livro “Medo e Delírio em Las Vegas” (Fear and Loathing in Las Vegas). Mais além: podemos ver que a busca pela análise de “encontrar os verdadeiros brasileiros anônimos”, como também a de estar completamente entorpecido para tal ação jornalística, junto a outros dois amigos, remete basicamente ao texto de 1971 em que Thompson, com o pseudônimo de Raoul Duke, parte para o deserto de Nevada com seu amigo advogado samoano para descrever o “verdadeiro sonho americano”. No livro de Thompson há uma passagem em que ele anuncia os materiais que levava para fazer a reportagem:

Nós tínhamos duas bolsas de fumo, setenta e cinco botões de mescalina, cinco cartelas de ácido extremamente potente, um saleiro cheio até a metade de cocaína e toda uma galáxia de multicoloridos estimulantes, tranqüilizantes, gritantes, hilariantes... E também um quarto de tequila, um quarto de rum, uma caixa de Budweiser, cerca de um litro de éter e duas dúzias de nitrito de amila (Thompson, p 10, 2005).

 

 

Hunter S. Thompson: jornalista bandido, ícone do gonzo

 

Nogueira e os dois amigos tomaram o ácido em um apartamento no bairro de classe alta de Higienópolis. Depois, rumaram para a famigerada “Boca do Lixo” paulistana. Ali presenciaram a realidade de uma grande cidade: “Famílias dormindo em papelões, travestis na porta de hotéis (daqueles que o H se confunde com M), bêbados de todas as índoles e néons falhando”. Com medo de que após duas horas de ácido e de caminhadas não justificassem a pauta, Nogueira encontrava na Avenida São João, um velho baixinho com a camiseta do Flamengo. O personagem encontrado era um índio brasileiro de 81 anos, cuja mãe “foi caçada a laço no século 19” e que tinha o nome de “Caraca”, segundo o indígena a tradução queria dizer “Brasileiro”. Todo o texto de Nogueira pode ser analisado como uma profunda crítica social. Crítica aos malefícios das drogas que levam milhares à miséria e a uma vida à margem da sociedade. Em nenhum momento há um discurso de apologia ao consumo. A utilização de drogas para compor a matéria é mais como uma referência ao estilo desenvolvido por Thompson e que muitas vezes é entendido de forma errônea por quem se aventura a praticar jornalismo Gonzo. 

Como destaca Czarnobai (2003), Thompson ficou célebre ao criar reportagens feitas sob o efeito de drogas, mas isso não quer dizer que todo jornalista gonzo deva utilizá-las ou pautar sua matéria com base nesse assunto. A prática de consumir drogas por Thompson é mais uma de suas características para causar o choque, assim como os textos com elementos sarcásticos, agressivos e irônicos. Ao realizar artigos usando esses elementos, além de conferir uma aura de “insano e fanfarrão” para si, Thompson tornava-se um ícone pop da contracultura que escrevia na maior revista de música dos Estados Unidos, a Rolling Stone.

Outro ponto destacado em relação ao uso das drogas na matéria de Nogueira é que para estar “imerso” no mesmo universo decadente dos viciados de drogas das ruas de São Paulo, o jornalista utiliza uma atitude antropológica: a de ficar entorpecido como os personagens que irá descrever na matéria. Desta forma, ele deixa o status de observador distante e isento e se aproxima ainda mais do material humano que irá pautar sua reportagem. Anda com os anônimos urbanos; conversa com diversos personagens desconhecidos do Brasil e escuta muitas histórias de “descida ao inferno” pela droga; sente a revolta dos excluídos que perderam tudo e vivem pelos instantes de fuga da realidade proporcionada com os entorpecentes.

Crítica social que emula a mesma contundência de “Fear and Loathing...”, cujo texto de  1971, trazia como alvo a geração hippie.  Os órfãos dos ideais da contracultura recorriam ao vício das drogas para suprir o vazio existencial que aplacava àqueles que achavam que poderiam mudar o mundo através do pacifismo e da vida alternativa. Se nos anos 70, pouco se relatava sobre os excessos que acometiam uma geração inteira com a dependência das drogas, talvez pela hipocrisia americana, que Thompson tanto criticava em seus artigos, no Brasil, no período histórico da reportagem da revista Zero sobre drogas, ou seja, mais de 30 anos depois da publicação do livro de “Fear and Loathing...”, o assunto ainda é pouco discutido pela imprensa tradicional e quando discutido, ainda recebe julgamentos preconceituosos e moralistas.

 A reportagem da Zero encerra com o jornalista cansado e satisfeito com as experiências, que viveu e relatou: “Estava exausto e feliz. Feliz que deu tudo errado na bad-trip. O dia drogado foi fabuloso e o papel seria pouco para explicar o feliz Brasil dos perdedores”. Podemos verificar que a reportagem é gonzo e se assume como tal. Tem as características estilísticas que mostram uma influência de um jornalismo contracultural que ousa questionar, indagar e provocar alguma reação nos leitores.  Além disso, em nenhum momento, ela se fecha como experiência jornalística. Vai mais além: cumpre os predicados de uma experiência antropológica, onde o jornalista/cientista sabe os elementos que irá utilizar para que a fórmula funcione, tais como descrição irônica e sarcástica de lugares e pessoas; a subjetividade; e acima de tudo: a captação participativa, que faz com que o repórter realize a reportagem tendo o foco narrativo voltado para si mesmo e nas experiências que vivenciou, empregando, assim, mais veracidade ao relato e indo além de “meros juízos e opiniões” sem base ou profundidade para tal.

 

Luiz Cesar Pimentel: a Zero era uma revista feita com a típica paixão dos fanzines

 

Considerações finais


É evidente que a revista Zero trabalhou em suas edições com reportagens e artigos com características Gonzo porque ocorre, dessa forma, o que entendemos como o conceito de interpretação e re-interpretação de John B. Thompson, em sua hermenêutica da profundidade (1995) do meio para com o contexto, que envolve elementos tanto da realidade do autor quanto do receptor. Resumindo: quando da construção das reportagens, no caso a que serviu de análise para esse artigo, o jornalista Nogueira já havia pré-interpretado as formas simbólicas que definem um texto Gonzo: seja com as técnicas de imersão, o uso de sarcasmo, a possibilidade da captação participativa, entre outros aspectos. Ao ter conhecimento destes elementos, ele pode utilizar na reportagem uma narrativa que se assemelha aos escritos de Hunter S. Thompson, o que por sua vez, também faz com que o leitor de uma revista de cultura e música pop encontre formas simbólicas e discursivas distintas de outras publicações, associadas ao estilo, que tem toda uma ligação sócio-histórica com o público jovem de revistas de musica e cultura desde o final dos anos 60.

Portanto, o jornalismo Gonzo é alternativo ao jornalismo tradicional obtendo mais espaço em revistas, livros e internet pela sua liberdade textual e influência literária. A principal tradução desse estilo jornalístico está vinculada ao relato das obsessões humanas, sempre de forma irreverente e irônica, o que atrai a atenção, principalmente, de leitores jovens que consomem as publicações voltadas ao universo pop.


Revista Zero: uma revolução na imprensa brazuca


Bibliografia

ALVARES, Rodrigo. Jornalismo Gonzo no Brasil. 2005. Disponível em: <http: //www.flashself.blogspot.com> Acesso em: 21 agosto de 2008.

BORGES, Yuri. O tiro de bazuca  contracultural de Hunter Thompson. Disponível em: http://www.disruptores.com.br/?p=508 Acesso em: 14 de novembro de 2008.


BROCANELLI, Rodney. Revista Frente: três edições e uma decepção, 2003. Disponível em: < http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/iq010720034.htm>. Acesso em: 20 de outubro de 2008.

BROCANELLI, Rodney. Zero é uma revista que não precisa se explicar, 2003. Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/fd120820032.htm>. Acesso em: 18 de outubro de 2008.

BROCANELLI, Rodney. Revista Zero corre o risco de acabar, 2004. Disponível em: < http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=292FDS004>. Acesso em: 18 de outubro de 2008.

CARMO, Paulo Sérgio, Culturas da Rebeldia - A juventude em questão, São Paulo. Editora SENAC São Paulo, 2001.

CZARNOBAI, André Felipe Pontes. Gonzo o filho bastardo do New Journalism. Monografia de conclusão de curso em jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003. Disponível em: <http://www.qualquer.org/gonzo/monogonzo/> . Acesso em: 19 de fevereiro de 2008.

CZARNOBAI, André Felipe Pontes. O que há no gonzo? Jornal Zero Hora, Porto Alegre. 26 de fevereiro de 2005 P. 4.

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FOLHA DE SÃO PAULO, Novo Manual de Redação da Folha de São Paulo. São Paulo, Editora Folha de São Paulo, 1996.

GUIMARÃES, Edgar. Algo sobre Fanzines. Disponível em: <http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co+41>. Acesso em 29/07/2008


KRETTE JÚNIOR, Wilson. Jornalismo Gonzo na revista Trip: Uma análise de gênero. Dissertação de mestrado em Letras. Universidade Prebisteriana Mackenzie. São Paulo. 2006. Disponível em: <http://mx.mackenzie.com.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=108>. Acesso em: 10 de outubro de 2008.

NOGUEIRA, Bruno Torturra.  Viagem ao Brasil dos Perdedores. Revista Zero n° 6. São Paulo. Editora Escala, 2003.

PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo.  Editora Contexto, 2008.

PEREIRA, Carlos Alberto Messender, O que é a Contracultura, Coleção Primeiros Passos. São Paulo. Editora Brasiliense, 1983.

PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. São Paulo. Editora Contexto, 2003.

SCALZO, Marília. Jornalismo em Revista. São Paulo: Contexto, 2003.

THOMPSON, John B. Ideologia e Cultura Moderna. Teoria Social Crítica na Era dos Meios de Comunicação de Massa. Petrópolis. Ed. Vozes, 1995.

THOMPSON, Hunter S. Medo e Delírio em Las Vegas - Uma jornada selvagem pelo coração do Sonho Americano. São Paulo. Editora Conrad, 2005.

THOMPSON, Hunter S. Cavalo Louco. Revista Trip n° 75, São Paulo, Editora Trip Propaganda Ltda, 2000.

WOLFE, Tom, Radical Chic e o Novo Jornalismo, São Paulo, Editora Companhia das Letras, 2005.